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quarta-feira, 4 de junho de 2025

Toda literatura tem um quê de autoajuda?

Confesso que antigamente eu olhava para a literatura de autoajuda com certo desdém, como se fosse uma escrita superficial através da qual o autor diz aquilo que o leitor quer ouvir, a minha desconfiança aumentava à medida que eu via esse tipo de livro ocupar cada vez mais espaço nas prateleiras das livrarias prometendo uma solução mágica para os problema mais complexos, sejam eles financeiros, de saúde, de relacionamento, de autoestima ou espiritualidade.

É claro que é preciso separar o joio do trigo, assim como em todas as outras categorias literárias há os livros bons e os ruins, há aqueles que só pretendem nos vender promessas milagrosas, mas também há aqueles escritos com ética e responsabilidade, por profissionais comprometidos ou por pessoas que desejam compartilhar uma experiência pessoal para ajudar outras pessoas que possam estar enfrentando dificuldades semelhantes. Hoje vejo que há muitos bons livros de autoajuda e motivacionais baseados em experiências pessoais, pesquisas e evidências, que promovem a reflexão e a autonomia do leitor. Mas, o verdadeiro valor desse tipo de literatura não está tanto no conteúdo, mas sim na reação que desperta no leitor, se o texto conseguir impactá-lo ou confortá-lo de alguma forma, promover uma mudança positiva, isso é o que de fato importa.

Édipo e a Esfinge, de Gustave Moreau


O que me levou a escrever este texto é que me dei conta de que toda literatura têm em si mesma um quê de autoajuda. A origem da literatura ocidental é atribuída às obras de Homero, a Odisseia e a Ilíada, na Antiguidade Clássica com a literatura greco-latina. Nas tragédias gregas existe o conceito de catarse, definido por Aristóteles como um processo de purificação emocional do público ao assistir à representação de uma tragédia. O termo "catarse" deriva do grego "katharsis", que significa "limpeza" ou "purificação". As tragédias retratavam personagens nobres e heroicos que enfrentavam grandes conflitos e dilemas internos e externos como a luta entre o destino e a vontade humana, a guerra e a disputa pelo poder. Um exemplo de tragédia é a de Édipo rei, que passa a vida tentando fugir do destino, mas acaba derrotado por ele. O objetivo era fazer que o público, ao assistir às representações, lidasse com emoções intensas de terror e piedade para libertar-se delas e experimentar uma sensação de alívio, conforto e renovação.

Narciso, de Caravaggio
Quando lemos um livro, ocorre algo parecido: colocamo-nos na pele das personagens e experimentamos seus conflitos internos, seus sofrimentos, suas angústias, e imaginamos o que faríamos no lugar delas, que decisões tomaríamos, qual seria nossa atitude. Muitas vezes questionamos nossos preconceitos, desenvolvemos a empatia, mudamos de opinião, reconsideramos nossas convicções e nos autoavaliamos. Já dizia o escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón que “os livros são espelhos: neles só vemos o que carregamos dentro”. Para um verdadeiro crescimento, no entanto, é necessário livrar-se desse narcisismo de querer enxergar a nós mesmos em tudo que vemos ou lemos, e perceber que no enredo da vida nem sempre somos os protagonistas, muitas vezes não passamos de coadjuvantes ou de meros figurantes, e nem por isso somos insignificantes ou prescindíveis.

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