quinta-feira, 12 de junho de 2025

Feliz dia dos namorados!

Ontem, meu marido e eu assistimos ao filme Orgulho e Preconceito pela quarta vez, e, já que hoje é o Dia dos Namorados, gostaria de aproveitar a ocasião para escrever uma reflexão sobre o romantismo.

Por que gosto tanto do livro de Jane Austen e do filme baseado nele? Porque é aquele tipo de romance em que a atração entre as personagens vai crescendo aos poucos, aliás, ela começa a partir de uma primeira impressão negativa, de uma espécie de aversão. No baile no qual eles se encontram pela primeira vez, Mr. Darcy recusa o convite de Elizabeth Bennet (Lizzi), para dançar. Mais tarde ela escuta Mr. Darcy dizer ao amigo que não a considera o suficientemente atraente para ele.

Mr. Darcy tem uma posição social superior e alimenta um forte preconceito em relação à família Bennet, à forma como eles se comportam, com escasso recato e refinamento. Mr. Darcy e Lizzi acabam se encontrando casualmente em várias ocasiões, e ele começa a apreciar a sagacidade e o orgulho de Lizzi que defende sua posição social e sua família com comentários inteligentes e sarcásticos, que fazem Darcy questionar suas convicções.

A fórmula mágica que torna essa história de amor tão envolvente é o fato de eles se apaixonarem aos poucos, conforme vão vencendo o preconceito inicial e descobrindo no outro seu verdadeiro valor.

Hoje em dia nós vemos uma disputa entre homens e mulheres para ver quem vai chegar primeiro, quem vai se dar bem, quem vai sair por cima, parece que se trata mais de uma competição por poder do que de uma conquista. E também vemos essa disputa por quantidade, para ver que fica com mais pessoas, quem ganha mais likes... E a moçada jovem indo com muita sede ao pote, pulando as etapas da conquista, de trocar olhares, pegar na mão, pedir em namoro, tudo aquilo que é tão instigante e que torna a conquista mais saborosa.

Hoje a maioria quer ir logo para a cama para depois se conhecerem, invertendo as etapas. Tratando com desdém o que deveria ser a cereja do bolo. É a cultura do desapego, como se apaixonar-se fosse algo ofensivo, humilhante. Hoje reina um individualismo nocivo que impede a pessoa de olhar para outra coisa que não seja o próprio umbigo.  

É por isso que a história de Orgulho e Preconceito me toca, porque as personagens conseguem vencer dois sentimentos soberbos que as cegam, conseguem superá-los ao enxergarem além das aparências e se rederem um ao outro. Já não se trata de uma batalha, já não é a vitória que conta, mas sim a rendição

segunda-feira, 9 de junho de 2025

A leitura em voz alta como ferramenta de revisão

Todo tradutor profissional sabe que, antes de entregar uma tradução, é importante fazer uma revisão cuidadosa do texto final. Para isso dispomos de diversas ferramentas que ajudam a garantir a qualidade técnica, a correção linguística e a consistência da tradução, como a função de QA (Quality Assurance) de sua Cat Tool, o assistente de escrita inteligente integrado ao Word, que identifica, entre outras coisas, erros ortográficos, gramaticais, de estilo, de construção, linguagem ofensiva, e ainda, o recurso de leitura em voz alta também disponível no Word, mas que também pode ser encontrado em diversos aplicativos ou plugins de navegador.

Aqui vou falar da última opção, que é também a última etapa do meu processo de revisão: a leitura em voz alta combinada com a leitura visual. Em meu caso, uso o recurso do Word disponível na guia “Revisão”, opção “Ler em Voz Alta”, que permite ainda personalizar a leitura mediante o ajuste de velocidade e a seleção da voz do leitor.



Por que gosto tanto desse recurso? Porque depois de horas trabalhando num texto na tela do computador, nossa mente e visão já estão tão cansadas e familiarizadas com o que está escrito que não conseguem identificar os erros, porque nosso cérebro, sabendo o que deveria estar escrito, completa as lacunas e corrige pequenos erros, enganando nossa visão. E é aí que entra a leitura em voz alta. Ao combinar dois métodos diferentes para processar a informação — leitura visual e leitura auditiva —, conseguimos identificar erros que poderiam passar batidos se utilizássemos somente a visão. Nosso ouvido capta os erros que nossos olhos deixaram passar. Além disso, nossa concentração aumenta ao evitar a distração com ruídos externos e potenciamos nossa percepção da “musicalidade” do texto, o que nos permite identificar cacofonia, isto é, a repetição de sons que provocam eco ou sons desagradáveis resultantes da junção de palavras: “... a boca dela” (cadela); a repetição excessiva de uma palavra, erros de pontuação, trechos truncados ou muito longos e confusos. Ou seja, a leitura em voz alta dispara outros alertas em nosso modo revisor. Eu recomendo usar a voz de um terceiro em lugar da própria voz para evitar as armadilhas de nosso cérebro das quais falamos antes.

Ao revisar uma tradução própria, também é importante deixar o texto “descansar”, procurar uma posição confortável, fazer pausas regulares, diminuir o brilho da tela, aumentar o tamanho da fonte, usar óculos de leitura e trabalhar com iluminação adequada, sem reflexos, num ambiente silencioso e calmo.

Você já utiliza esse recurso para revisar suas traduções? Tem alguma outra dica para revisar uma tradução própria?

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quarta-feira, 4 de junho de 2025

Toda literatura tem um quê de autoajuda?

Confesso que antigamente eu olhava para a literatura de autoajuda com certo desdém, como se fosse uma escrita superficial através da qual o autor diz aquilo que o leitor quer ouvir, a minha desconfiança aumentava à medida que eu via esse tipo de livro ocupar cada vez mais espaço nas prateleiras das livrarias prometendo uma solução mágica para os problema mais complexos, sejam eles financeiros, de saúde, de relacionamento, de autoestima ou espiritualidade.

É claro que é preciso separar o joio do trigo, assim como em todas as outras categorias literárias há os livros bons e os ruins, há aqueles que só pretendem nos vender promessas milagrosas, mas também há aqueles escritos com ética e responsabilidade, por profissionais comprometidos ou por pessoas que desejam compartilhar uma experiência pessoal para ajudar outras pessoas que possam estar enfrentando dificuldades semelhantes. Hoje vejo que há muitos bons livros de autoajuda e motivacionais baseados em experiências pessoais, pesquisas e evidências, que promovem a reflexão e a autonomia do leitor. Mas, o verdadeiro valor desse tipo de literatura não está tanto no conteúdo, mas sim na reação que desperta no leitor, se o texto conseguir impactá-lo ou confortá-lo de alguma forma, promover uma mudança positiva, isso é o que de fato importa.

Édipo e a Esfinge, de Gustave Moreau

O que me levou a escrever este texto é que me dei conta de que toda literatura têm em si mesma um quê de autoajuda. A origem da literatura ocidental é atribuída às obras de Homero, a Odisseia e a Ilíada, na Antiguidade Clássica com a literatura greco-latina. Nas tragédias gregas existe o conceito de catarse, definido por Aristóteles como um processo de purificação emocional do público ao assistir à representação de uma tragédia. O termo "catarse" deriva do grego "katharsis", que significa "limpeza" ou "purificação". As tragédias retratavam personagens nobres e heroicos que enfrentavam grandes conflitos e dilemas internos e externos como a luta entre o destino e a vontade humana, a guerra e a disputa pelo poder. Um exemplo de tragédia é a de Édipo rei, que passa a vida tentando fugir do destino, mas acaba derrotado por ele. O objetivo era fazer que o público, ao assistir às representações, lidasse com emoções intensas de terror e piedade para libertar-se delas e experimentar uma sensação de alívio, conforto e renovação.

Narciso, de Caravaggio
Quando lemos um livro, ocorre algo parecido: colocamo-nos na pele das personagens e experimentamos seus conflitos internos, seus sofrimentos, suas angústias, e imaginamos o que faríamos no lugar delas, que decisões tomaríamos, qual seria nossa atitude. Muitas vezes questionamos nossos preconceitos, desenvolvemos a empatia, mudamos de opinião, reconsideramos nossas convicções e nos autoavaliamos. Já dizia o escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón que “os livros são espelhos: neles só vemos o que carregamos dentro”. Para um verdadeiro crescimento, no entanto, é necessário livrar-se desse narcisismo de querer enxergar a nós mesmos em tudo que vemos ou lemos, e perceber que no enredo da vida nem sempre somos os protagonistas, muitas vezes não passamos de coadjuvantes ou de meros figurantes, e nem por isso somos insignificantes ou prescindíveis.