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quarta-feira, 10 de julho de 2024

Olhos de... olhar...

            Hoje, como um urso que sai de sua toca após um longo período de hibernação, acordei com uma ideia para um artigo sobre um assunto que me fascina bastante em matéria linguagem: a relação entre texto e imagem.

Lembrei de uma das aulas que mais marcou minha formação acadêmica. Fazia parte da disciplina Literatura e Cinema; uma aula que discorreu sobre a relação entre o sentido da visão e a realidade. Se não me falha a memória, esse era o xis da questão. A professora falava da necessidade de ver para acreditar, de como o cinema recria a realidade e a transforma ou a deturpa, e dos efeitos que as imagens produzem em nós. Enquanto o cinema se vale da estética da imagem, a literatura se vale da linguagem, e o leitor reconstrói, através de sua imaginação, uma imagem visual daquilo que está sendo descrito e narrado. Por isso a leitura é uma experiência tão singular, porque cada leitor constrói sua imagem particular, enquanto na tela do cinema todos os espectadores veem a mesma cena.

Naquela ocasião, a aula começou com um repertório de ditados e provérbios relacionados à visão:

Vi com esses olhos que a terra há de comer” e  vi com meus próprios olhos”, duas frases que dão conta do poder da visão como testemunha inquestionável da realidade.

Por outro lado, “o que os olhos não veem o coração não sente”, provérbio geralmente relacionado ao adultério e que traz a ideia de que enquanto não houver um flagrante de infidelidade haverá felicidade, que por extensão aplicamos a outras situações, como, por exemplo, à forma como uma comida é preparada... Se a comida é gostosa, mas a higiene de sua preparação é duvidosa, usamos essa frase para afirmar que, se não vemos algo desagradável, não sofremos por isso.

Olho por olho, dente por dente”, para transmitir a ideia de vingança, de fazer justiça retribuindo um mal com outro.

Em terra de cego, quem tem um olho é rei”, que afirma que num ambiente onde a maioria das pessoas tem limitações, mesmo uma pequena vantagem pode fazer uma grande diferença.

Os olhos são a janela da alma”, significa que os olhos revelam os sentimentos e o caráter de uma pessoa.

Depois desse compilado de frases que nos mostrou o peso do sentido da visão em nossa cultura, falamos de sua relação com a percepção da realidade. Lembro que comentei com a professora que eu havia assistido a um filme espanhol — El orfanato —, um filme de suspense em que a protagonista tinha visões sobrenaturais, e, num momento dado, uma médium explica: “No se trata de ver para creer, sino de creer para ver”, que sugere que é preciso estar predisposto para ver além do óbvio. Ou seja, o que vemos está condicionado a nossas crenças.

Como se tratava de uma disciplina sobre literatura e cinema, assistimos ao filme Blow-up, dirigido por Michelangelo Antonioni em 1966, que é uma adaptação do conto Las Babas del Diablo, escrito por Julio Cortázar em 1959. O protagonista é um fotógrafo que captura as imagens de um casal discutindo num parque, e, ao revelar as fotos, percebe algo suspeito e resolve investigar. Tanto o conto como o filme podem ser interpretados como uma metáfora sobre o poder de congelar momentos tanto por parte do escritor como do fotógrafo, a relação entre realidade e fantasia, sobre enxergar apenas o que queremos ver. E ainda, sobre como o escritor pode participar ou intervir nos fatos.

A respeito dessa relação entre texto e imagem, escrevi também aqui no blog uma resenha do filme “Por falar de amor” (em inglês, Words and Pictures), no qual o ator Clive Owen interpreta um desiludido professor de literatura a ponto de perder o emprego, que decide desafiar a professora de arte e pintora, interpretada por Juliette Binoche, a travar uma disputa entre os alunos de ambos para ver quem consegue transmitir um significado maior: as palavras ou as imagens. Para ler essa resenha, clique aqui.

Enfim, a presença do sentido da visão, dos olhos e do olhar é uma constante em nossa cultura, há diversos exemplos, como o da tragédia grega Édipo rei, que culmina com Édipo furando os próprios olhos como punição por não ter conseguido driblar seu destino. Ou o mito da Medusa, uma mulher amaldiçoada da mitologia grega que transformava em pedra todo aquele que olhava diretamente para ela. Temos também o mito da caverna de Platão, que faz uma alegoria à visão além das aparências. O conto de E.T.A. Hoffmann, O homem de areia, uma narrativa fantástica sobre uma figura sinistra que roubava os olhos das crianças que não iam para a cama, história serviu de inspiração para muitas outras criações. Não somente a visão, como também a falta dela são temas presentes na literatura, como é o caso do Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. São temas que povoam nosso imaginário e se cristalizam em crenças populares como o mau-olhado ou olho gordo, que atribuem desgraças ao olhar invejoso de alguém, tradicionalmente associado à ideia de “secar com os olhos”. O assunto é inesgotável, mas não posso deixar de citar a sábia frase do nosso querido pequeno príncipe: “O essencial é invisível aos olhos”.

Neste momento, estou relendo Memórias póstumas de Bras Cubas, e não pude deixar de lembrar de uma das figuras metafóricas mais bonitas de nossa literatura, em Dom Casmurro, quando Bentinho se refere ao olhar de Capitu como “esses olhos de ressaca”. Cabe aqui uma anedota... Quando li o livro pela primeira vez, meu português era ainda muito incipiente, e eu muito nova para a magnitude da obra, o que me levou a pensar nos olhos da pessoa que está de ressaca pelo consumo excessivo de álcool: a visão dupla e embaçada, as olheiras em volta dos olhos. Mais tarde, pude captar o verdadeiro sentido da metáfora: o do olhar com a força do mar que arrasta tudo para si durante a ressaca. Referindo-se ainda ao olhar de Capitu, o agregado da família de Bentinho, José Dias, disse: “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, ou seja, um olhar malicioso, enigmático e traiçoeiro.

Quanto a outro assunto que também me fascina, o léxico, toda essa reflexão despertou minha vontade de compilar uma lista de adjetivos que qualificam o substantivo “olhar”, para convertê-la em uma nuvem de palavras. Eis o resultado:


Uma nuvem de palavras é uma representação gráfica da frequência e do valor de uma palavra numa determinada fonte de dados. Neste caso, não há uma relação de hierarquia, pois o objetivo foi simplesmente criar um material de consulta para usar naquele momento em que procuramos um adjetivo que qualifique com precisão o “olhar” que queremos descrever.

Por hoje é só! E, pra vocês, eu deixo apenas meu “olhar 43”.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Palabras con acepciones dispares


La relación entre la palabra y su significado tiene razones que nuestra razón desconoce, en algunos casos, es totalmente arbitraria, o sea, no tiene un motivo, es puramente convencional, e incluso puede suceder que una misma palabra abarque acepciones parcial o totalmente contradictorias, o más bien, dispares.

Sin contar con el lenguaje literario, en que para lograr expresividad  las palabras sobrepasan su sentido ordinario y cobran sentidos figurados. Incluso se puede afirmar algo con la intención de expresar justamente lo contrario, mediante el recurso de la ironía.
Por eso, traducir palabras aisladas es una tarea prácticamente imposible y muy propensa a confusiones, ya que el significado se extrae del contexto.

La lengua está viva y las palabras sufren cambios semánticos a lo largo del tiempo y según el contexto en que se utilizan. Las principales causas de estos cambios son las siguientes:

1) históricas, muchos objetos y costumbres cambian de uso a lo largo del tiempo, por ejemplo, la palabra satélite, que proviene del latín satelles, vocablo que significaba ‘lo que estaba en torno o alrededor de alguien’ y antiguamente se utilizaba para designar a los soldados o guardias encargados de proteger a los reyes y soberanos. La moderna pluma de escribir mantiene ese nombre en referencia a las plumas de ave utilizadas antiguamente para escribir, aunque el objeto haya cambiado a lo largo del tiempo, se mantuvo el mismo nombre.

2) Sociales, una palabra que en el lenguaje ordinario tiene un significado general, puede tener un significado más específico  según el área en que se aplica. Por ejemplo, la palabra faena, significa trabajo; pero en el lenguaje taurino designa la manera de torear en un momento dado.

3) Psicológicas, la causa psicológica más notable es el tabú, es decir, cuando por motivos como superstición temor, política o pudor, las palabras son “prohibidas" y sustituidas por otras, consideradas más adecuadas. Así sucedió, por ejemplo, con la palabra retrete, que al asociarse con palabras malsonantes, se ha sustituido por eufemismos como cuarto de baño, lavabo, servicio, baño. Por motivos supersticiosos se utiliza bicha por culebra o serpiente y por razones sociopolíticas se utiliza productor por obrero o reajuste por subida de precios.

4) Literarias, por motivos de expresividad, el lenguaje literario utiliza los cambios semánticos con asiduidad, dando lugar a la metáfora (Los luceros de tu cara. Luceros = ojos) y a la metonimia (El espada actuó bien. Espada = torero).

Dejando a un lado las razones de los cambios semánticos, veamos algunas palabras que abarcan significados dispares o contradictorios:

Sancionar: esta palabra por una parte significa autorizar o aprobar un acto, uso o costumbre; y por otra parte aplicar un castigo o una pena a alguien o a algo que infringe la ley.

Ejemplos:

La Ley Sáenz Peña, sancionada por el Congreso de la Nación Argentina el 10 de febrero de 1912, estableció el voto universal secreto y obligatorio para los ciudadanos argentinos varones, nativos o naturalizados, mayores de 18 años de edad, habitantes de la nación y que estuvieran inscriptos en el padrón electoral (con el sentido de aprobar)

Hamilton recibirá una sanción de 5 posiciones en la parrilla del GP de China (con el sentido de castigo).

Oler: El verbo oler, en español, se refiere tanto a la acción de percibir un olor por el sentido del olfato como a la acción de exhalar una fragancia que deleita o un hedor que molesta.

Ejemplos:

Policías dicen que el autor del doble crimen "olía a alcohol pero no estaba borracho" (con el sentido de exhalar hedor)

Los perros huelen mil veces mejor que los humanos. Para un perro, oler el suelo es la mejor manera de saber las últimas novedades de la banda. Impedir que un perro huela el mundo al su rededor es como impedirlo de conocer las características del local donde vive (con el sentido de captar fragancias por medio del olfato)

Alquilar: El verbo alquilar se refiere tanto a la acción de cobrar dinero para ceder un bien temporalmente como a la acción de pagar un precio acordado para usar algo temporalmente.

Ejemplos:

Para conocer bien los alrededores, lo mejor es alquilar un coche (con el sentido de pagar para usar)

Con esta crisis, no nos queda más remedio que alquilar nuestra casa de playa (con el sentido de cobrar para ceder)


segunda-feira, 25 de maio de 2015

Parecidas, mas diferentes

Algumas palavras costumam despertar dúvidas porque são muito parecidas, mas ao mesmo tempo diferentes. Parecidas porque provêm da mesma raiz, ou radical; e diferentes, porque possuem desinências, isto é, terminações diferentes que lhes atribuem diferenças semânticas, por vezes, sutis, mas nem por isso, menosprezíveis.

Em alguns dos pares apresentados aqui, a fronteira semântica é muito tênue, fazendo com que ambas as palavras sejam usadas indistintamente, sem que isso represente erro ou comprometa o entendimento da mensagem. Procurei apresentar exemplos de uso reais extraídos do Corpus do Português, referenciado ao final do texto.

Claridade e clareza

Claridade: qualidade do que é claro, luminoso, resplandescente. Refere-se à luz natural ou artificial.

Exemplo: Toda a claridade como que vinha não das luzes penduradas no teto, mas da sua figura rósea, imaterial, ondulando entre a música como nas vagas de um sonho. (Dias perdidos, Lúcio Cardoso, www.corpusdoportugues.org)

Clareza: qualidade do que é inteligível e livre de ambiguidade. Refere-se à qualidade de expressar-se de modo compreensível, transparente.

Exemplo: No caso de Inocência, que é uma história tão bem contada, um libreto (de Visconde de Taunay) com absoluta clareza, mesmo de uma forma totalmente arrevezada, o filme, que não era uma narrativa circular, acabou sendo, porque tudo acontece enquanto Inocência delira. (Walter Lima Jr., www.corpusdoportugues.org)

Descoberta e descobrimento

Descoberta relaciona-se com inventoinvenção ou achado. Refere-se à coisa que se descobriu; invento, criação.

Exemplo:  Muita gente diz que a maior descoberta da humanidade foi a penicilina, outros dizem que foi a eletricidade.

Descobrimento designa o ato de descobrir algo que já existia, mas não era conhecido.

Exemplo: O descobrimento da Amazônia ainda não terminou. Os mistérios ainda não foram revelados. Acho que é isso que faz um fotógrafo fugir do olhar exótico geralmente mostrado. (Araquém Alcântara, www.corpusdoportugues.org)

descobrimento da Amazônia ainda não terminou. (Foto de Araquém Alcântara)

Requerimento e requisito

Requerimento: solicitação, reivindicação, petição qualquer verbal ou por escrito.

Exemplo: O manual terá em anexo vários modelos de requerimento, de projetos de lei, de resolução, de ofícios. Ele será a bíblia do vereador. Esse será o primeiro. Depois lançaremos outros. (Cid Marconi, www.corpusdoportugues.org)

Requisito: condição necessária para alcançar um determinado fim.

Exemplo: O requisito para concorrer às vagas é ter um curso superior completo.

Aparição e aparecimento

Os substantivos (ou nomes)aparecimento e aparição podem ser palavras sinônimas em certos contextos, nomeadamente quando os autores ou os falantes as usam com idênticos significados.

Por norma, utilizamos aparecimento para situações reais e incontestadas.

Exemplo: As demandas da sociedade mudaram. Esse novo modelo mundial, de revolução tecnológica, da globalização da economia, da interferência, não tem sido capaz de evitar o aparecimento de grande bolsões de pobreza. (Tasso Jereissati, www.corpusdoportugues.org)

Em contrapartida, usamos aparição para referirmos a visão de um ser sobrenatural ou fantástico ou ainda uma recordação muito viva de alguém, de algum lugar ou de algum acontecimento.

Exemplo: As aparições começaram em abril de 1993 e, com mais ou menos seis ou sete aparições, Nossa Senhora disse que tinha uma obra a fazer em recuperação dos jovens e pediu que fundasse uma comunidade. Então fundamos, mesmo sem sede, na Vila Pery, onde ocorreu a primeira aparição. (José Ernani dos Santos, www.corpusdoportugues.org)

Incrível e inacreditável

"Incrível" e "inacreditável" querem dizer a mesma coisa — e não querem. "Incrível" é elogio. Você acha incrível o que é difícil de acreditar de tão bom. Já inacreditável é o que você se recusa a acreditar de tão nefasto, nefário e nefando — a linha média do Execrável Futebol Clube. (Luis Fernando Veríssimo)

Incrível: que ou o que não é crível, não se pode acreditar, que possui um caráter extraordinário; fantástico.  Tem sentido positivo.

Exemplo:  Eu amo as pessoas daqui. Gosto do povo mais do que do país. O país é maravilhoso também, mas o povo é incrível. (Reverendo Samuel Doctorian em entrevista ao JC, www.corpusdoportugues.org)

Inacreditável: que não merece crédito, não acreditável. Tem sentido pejorativo.

Exemplo: O ministro Pertence certa vez levou três anos para examinar um pedido de vistas de um processo sobre telecomunicações que tinha de entregar na próxima sessão, de acordo com o regimento do tribunal. É inacreditável. Se fizermos alguma coisa assim no Congresso, vão achar uma aberração. (ACM em entrevista ao Estado, www.corpusdoportugues.org)

Surpreso e surpreendido

As duas formas podem ser usadas como sinônimos de perplexo, mas há uma sutil diferença semântica entre elas.

Surpreso: desconcertado ou abalado com (algo desagradável e não esperado); atônito, perplexo, chocado. Ou agradavelmente surpreendido; admirado, espantado, pasmo
Exemplo: Assediado pela imprensa, o VJ Rodrigo declarou estar surpreso com a estrutura do festival e da cidade e a qualidade musical das bandas. (Guto Goffi, www.corpusdoportugues.org)

Surpreendido: apanhado em flagrante, tomado ou apanhado de improviso.
Exemplo: E Ivan se comportara exatamente como Lena havia previsto. Ao se ver surpreendido cortejando Ucha, Ivan admitiu sua culpa afastando-se repentinamente de sua presa. (Corpo Vivo, de Adonias Aguiar, em www.corpusdoportugues.org)

Escuro e obscuro

Essas duas palavras muitas vezes são usadas indistintamente para referir-se à falta luz, à cor que tende a preto, à falta de inteligibilidade, à melancolia, a algo sombrio e tenebroso. A diferença é muito tênue, geralmente usa-se a palavra escuro no sentido literal e a palavra obscuro no sentido figurado. 

Escuro: em que não há luz; que tem pouca ou nenhuma claridade. Que tem cor preta ou tonalidade que tende a preto. É mais usado no sentido concreto, material: cabelo escuro, roupa escura, quarto escuro, etc.

Exemplo:  Não dá para falar da luz do sertão sem falar no escuro. Aqui, do lado de fora das casas existe essa luminosidade absurda, enquanto no interior é breu. Abrindo uma janela, entra aquele facho de luz e o resto continua no escuro. O filme trabalha nesse contraste claro-escuro. (Pedro Bial, www.corpusdoportugues.org)

Obscuroque denota tristeza; sombrio, tenebroso. Que não é claro para o espírito, que é difícil de compreender, de explicar.

Exemplo:  Dessa forma, encontrando, no seu natural melancólico, cheio de uma doce tristeza e de um obscuro sentimento da mesquinhez do seu destino, terreno propício, o livro de Casimiro de Abreu caiu-lhe n' alma como uma revelação de novas terras e novos céus. (Clara dos Anjos, Lima Barreto)


Referências:
Davies, Mark and Michael Ferreira. (2006-) Corpus do Português: 45 milhões de palavras, 1300s-1900s. Disponível em http://www.corpusdoportugues.org.
Dicionário Eletrônico Houaiss, 2009.