terça-feira, 31 de outubro de 2017

Manolito, o tradutor aflito

Após um longo dia de trabalho traduzindo um romance policial, logo quando Manolito estava quase cumprindo sua meta diária de 3 mil palavras, eis que depara com um daqueles enigmas esfíngicos.

(Visualize)
O protagonista da história, detetive de polícia, liga para a chefa; mas, por desconfiar que há um infiltrado no departamento interceptando a conversa, diz apenas: “Há um X-9 aí, nos falamos por LIAME”.

Manolito contrariado: “LIAME? Que p* é essa?!”.

Se você acha que Manolito pode simplesmente desligar o computador e deixar para pesquisar o termo amanhã, está redondamente enganado. Tradutor que se preze sente comichão quando encontra um termo desconhecido. Você conseguiria dormir numa cama cheia de pulgas? É mais ou menos essa a sensação... Você vira para um lado, vira para o outro e a bendita palavra fica aí se alimentando do seu sangue.

Com os olhos fixos na tela, Manolito joga o termo no Google e aparecem várias ocorrências desconexas... Segundo o dicionário, liame é um elemento de ligação, nexo-causal, “será que está se referindo a um intermediário? Mas, se o detetive desconfia de uma araponga, não faz sentido procurar um intermediário... Além disso, está escrito em maiúsculas, portanto é uma sigla”; entre os resultados, aparece também uma expressão jurídica liame psicológico, que se refere a um vínculo subjetivo entre os agentes que cometem um crime... “não, não é isso”; Liame Associação de Apoio à Cultura… “também não”; na Wikipédia diz que em Lógica, um liame é um sinal alternativo que pode ser usado no lugar de variáveis quantificadas “aff... não”.

Começa a pesquisar por codificação, criptografia, espionagem, interceptação, linguagens secretas... Depois vai jogando novas combinações no Google “LIAME sigla”, “LIAME significado”, “LIAME investigação”, “LIAME código secreto”, etc. Inúmeras combinações depois, chega a LIAMES Línguas Indígenas Americanas. “Não, seria absurdo: nos falamos por Línguas Indígenas Americanas”...

Depois tenta refinar sua pesquisa usando combinações esdrúxulas “LIAME” + polícia; “LIAME” + segurança nacional, “LIAME” + FBI, “LIAME” + Interpol... Nada!

Lembra-se de consultar a tia, funcionária pública da área de segurança pública... Depois pensa em contatar diretamente o autor, imagina a mensagem... Tem receio de contatá-lo e infringir alguma regra editorial, mas sabe que não pode seguir adiante sem saber do que se trata...

A essas alturas Manolito já está exausto, seus neurônios estão entrando em curto, quando de repente... ele ouve uma voz sobrenatural e retumbante que clama: “PROCURE NO TEXTO, BISONHO!!!”. Manolito volta ao texto e, alguns parágrafos mais adiante, encontra a solução do enigma, ali, escancarada “LIAME é email ao contrário”! Manolito sente um calor que sobe por suas pernas, atravessa seu tronco e se instala sem cerimônia em suas bochechas.


A esposa pergunta solícita: “Tudo bem? Você está com calor? Quer que eu vire o ventilador para o seu lado?”. 


sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Poema: "Dicen que no hablan las plantas", de Rosalía de Castro


Dicen que no hablan las plantas, ni las fuentes, ni los pájaros,
Ni el onda con sus rumores, ni con su brillo los astros,
Lo dicen, pero no es cierto, pues siempre cuando yo paso,
De mí murmuran y exclaman:
Ahí va la loca soñando
Con la eterna primavera de la vida y de los campos,
Y ya bien pronto, bien pronto, tendrá los cabellos canos,
Y ve temblando, aterida, que cubre la escarcha el prado.

Hay canas en mi cabeza, hay en los prados escarcha,
Mas yo prosigo soñando, pobre, incurable sonámbula,
Con la eterna primavera de la vida que se apaga
Y la perenne frescura de los campos y las almas,
Aunque los unos se agostan y aunque las otras se abrasan.

Astros y fuentes y flores, no murmuréis de mis sueños,
Sin ellos, ¿cómo admiraros ni cómo vivir sin ellos?




Vídeo publicado no canal cervantesvirtual, no Youtube

Rosalía de Castro. "Dicen que no hablan las plantas, ni las fuentes, ni los pájaros". En las orillas del Sar. Marina Mayoral. Biblioteca de autora Rosalía de Castro. Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes.