Você já deve ter ouvido alguma vez expressões como: amor “platônico”, plano “maquiavélico”, aventura “homérica”, situação “kafkiana”, ironia “machadiana”, pessoa “cartesiana”, cena “dantesca”, apetite “pantagruélico”, etc. Mas, afinal, o que significam essas expressões?
Alguns pensadores, autores, escritores, filófosos e estudiosos tiveram uma obra tão influente para nossa civilização e com características tão peculiares que seus nomes tornaram-se adjetivos. Além do significado literal, isto é, "àquilo que é relativo ou que pertencente a...", esses adjetivos assumem um sentido figurativo quando aludem os traços característicos do autor, da obra ou, até mesmo, da personagem fictícia como é o caso do adjetivo "quixotesco".
Quando dizemos que um amor é platônico, remetemos ao
filósofo grego Platão, para quem o amor deve ser sublime, elevado, espiritual,
puro, não físico. Ou seja, um “amor platônico” é aquele amor idealizado, que
fica apenas pelo plano espiritual, sem contato carnal ou sexual.
Ao dizer “plano maquiavélico”, remetemos a Maquiavel,
historiador e poeta italiano que escreveu o livro O Príncipe e a quem se
atribui a frase: "O fim justifica os meios". Inicialmente, chamava-se
de maquiavélica a pessoa que era assertiva, firme em seus propósitos. Com o
tempo, adquiriu um sentido negativo, e agora o adjetivo designa alguém
ardiloso, astuto, que age de forma inescrupulosa. Assim, um plano
maquiavélico é aquele engendrado com perfídia, com má intenção.
Quando dizemos “aventura homérica”, referimo-nos a Homero
autor grego da Ilíada e da Odisseia, cânones e mananciais da
cultura ocidental. No sentido figurado, o adjetivo “homérico” é uma expressão
usada como referência a algum fato heroico, grandioso, épico. Quando queremos
nos referir a grandes feitos usamos a expressão façanhas homéricas, fatos
homéricos, acontecimentos homéricos.
O adjetivo kafkiano remete ao escritor tcheco Franz Kafka,
um dos mais influentes na literatura mundial e autor da Metamorfose, obra em
que o protagonista se encontra numa situação absurda ao ver-se, de uma hora
para outra, transformado num inseto. Em suas obras geralmente o protagonista deve
enfrentar situações absurdas, incompreensíveis e angustiantes, por isso o adjetivo "kafkiano" é utilizado justamente para descrever situações assim.
O escritor Machado de Assis, considerado o maior expoente da
literatura brasileira, ao analisar psicologicamente as personagens, ele traz à tona todos os defeitos da conduta humana, revelando toda a
hipocrisia humana. O humor machadiano é repleto de pessimismo e ironia. Daí, a
expressão “ironia machadiana”.
Descartes foi um pensador, autor das obras Discurso do
Método e Meditações Metafísicas, onde expressa sua preocupação com o problema
do conhecimento. O ponto de partida é a busca de uma verdade primeira que não
possa ser posta em dúvida. Por isso, transforma sua dúvida em método para se bem
conduzir a Razão e procurar a verdade nas Ciências. Para ele, nada pode ser
considerado “a priori” como certo, a não ser uma coisa: “Se duvido, penso, se
penso, existo”: “Cogito, ergo sum”, “Penso, logo existo”, ponto de partida da
Dúvida Metódica, de onde se constrói todo o seu pensamento. O termo “pessoa
cartesiana” ganhou uma conotação pejorativa ao designar uma pessoa sistemática
em excesso.
A expressão “dantesco
ou dantesca” remete a Dante Alighieri, autor da obra-prima A Divina Comédia.
A primeira parte, “O Inferno”, tem descrições tão pavorosas
dos castigos a que seriam submetidos os pecadores depois da morte que o
adjetivo "dantesco" passou a ser aplicado a situações extremas e
capazes de despertar emoções profundamente desagradáveis, suplícios infernais.
Assim, um sonho dantesco ou uma cena dantesca, refere-se a algo horroroso,
diabólico, medonho, pavoroso.
Já a expressão “pantagruélico” faz referência ao gigante Pantagruel, famoso personagem do escritor francês Rabelais. Como o personagem se caracteriza por ser um boa-vida, alegre e glutão, o adjetivo é usado, por extensão, como sinônimo de abundante, farto, colossal, desmesurado (banquete pantagruélico, apetite pantagruélico, etc.).
Já a expressão “pantagruélico” faz referência ao gigante Pantagruel, famoso personagem do escritor francês Rabelais. Como o personagem se caracteriza por ser um boa-vida, alegre e glutão, o adjetivo é usado, por extensão, como sinônimo de abundante, farto, colossal, desmesurado (banquete pantagruélico, apetite pantagruélico, etc.).
O adjetivo “mefistofélico”, por sua vez, faz referência a um personagem da Idade Média, conhecido como uma das encarnações do mal que captura almas inocentes através da sedução e encanto. Mefistófeles é um personagem-chave em todas
as versões de Fausto,
sendo a mais popular destas, a do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe. Mefistófeles
aparece ao Dr. Fausto, um velho cientista, cansado da vida e frustrado por não
possuir os conhecimentos tão vastos como gostaria de ter. Em troca de alcançar
o grau máximo da sabedoria, ser rejuvenescido e obter o amor de uma bela
donzela, Fausto decide entregar a sua alma a Mefistófeles. Como adjetivo, é sinônimo de diabólico, infernal, sarcástico, satânico.
Os adjetivos derivados de nomes devem ser escritos sempre com
minúsculas.
Os dicionários recolhem vários desses adjetivos e o
dicionário da RAE recolhe alguns bastante curiosos, como "voltario"
e "anabolena". O exemplo de uso dado pelo dicionário para
anabolena é "¡No seas anabolena!", ou seja, não
sejas louca como Ana Bolena, mulher de Henrique VIII, rei da Inglaterra.
Neste caso o adjetivo foi formado por
aglutinação, ou seja, pela fusão de dois vocábulos para formar uma única
expressão.
Quanto ao adjetivo "voltario", remete ao genial
filósofo do iluminismo e escritor francês,
Voltaire, autor de Cândido ou O Otimismo. Segundo o dicionário da RAE,
o adjetivo serve para designar alguém de caráter inconstante.
Quanto a Dom Quixote de la Mancha, o célebre personagem de Cervantes, além dar origem ao adjetivo "quixotesco", originou, também, o substantivo "quijote", registrado pela RAE como:
quijote
m. Hombre que antepone sus ideales a su conveniencia y obra desinteresada y comprometidamente en defensa de causas que considera justas, sin conseguirlo.
O dicionário Houaiss, registra o verbete quixotesco como:
adjetivo
1 que diz respeito a D. Quixote; próprio de D. Quixote
2 relativo a quixote ou quixotada
3 Derivação: por extensão de sentido.
que é generosamente impulsivo, sonhador, romântico, nobre, mas um pouco desligado da realidade
Ex.: num gesto q., estendeu a capa sobre a poça para ela passar
4 Derivação: sentido figurado.
característico ou próprio de fanfarrão
Ex.: lançava à turba, aos gritos, desafios q.
Em minha opinião, esta última acepção, não faz jus a nosso amado personagem, já que 'fanfarrão', nas palavras desse mesmo dicionário, é aquele que conta bravatas, que alardeia coragem sem ser corajoso. Ou seja, o oposto de D. Quixote, que enfrentava todos os percalços com paixão e coragem, sempre em busca da justiça.
Dom Quixote, o louco mais lúcido |