Há poucos dias terminei de ler La rebelión de las masas (A rebelião das massas), do filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955). Mesmo tendo sido escrita por volta de 1930, é uma obra muito atual, que descreve um fenômeno visível e predominante nos dias atuais: o homem-massa. Aproveito enquanto as impressões ainda estão frescas em minha mente para escrever esta resenha.
Primeiramente, o autor deixa bem claro que essa definição
não se refere a uma camada social, não se trata de uma classe específica, mas
sim de uma forma de ser, de agir, de encarar a vida. Uma postura diante da
realidade.
Para o autor, o homem-massa é resultado da combinação de
vários fatores: o salto populacional na Europa, que em doze séculos (do século
VI ao ano 1800) não conseguia superar os 180 milhões e que, em menos de um século, de
1800 a 1914, pula de 180 milhões a 460 milhões, isto é, mais do que duplica.
Esse extraordinário crescimento populacional dá lugar às aglomerações, as
cidades se enchem de pessoas. O que, aliado à democracia liberal, à
industrialização e à ciência resulta no surgimento do homem-massa.
Mas o que seria esse homem-massa? Como dissemos
anteriormente, não se trata de uma categoria social, mas sim de um modo de ser.
O homem-massa corresponde ao homem médio, que se contenta em seguir a corrente,
que despreza a tradição, não tem senso histórico, não tem grandes aspirações
além de ser como os outros. Comporta-se como uma criança mimada e ingrata que
só sabe exigir e choramingar, e que espera que o Estado resolva todos seu
problemas. Está sempre esperneando, berrando por direitos, mas não tem senso de
dever, de responsabilidade. Tende à violência, acredita que o progresso atual
caiu do céu, não o reconhece como fruto do sacrifício e trabalho das gerações
anteriores.
Sua responsabilidade se limita a exigir, preocupa-se em
resolver os problemas estruturais da sociedade, em perseguir utopias em lugar
de concentrar-se em resolver problemas pontuais. Age de forma superficial e
preguiçosa, não busca um conhecimento profundo de causas e consequências,
contenta-se com um conhecimento parcial e superficial daquilo que possa usar a
seu favor, ainda que de forma distorcida, o que deriva na desonestidade
intelectual, no relativismo moral e ético, em que o julgamento moral varia
conforme seus interesses. Age como um bárbaro porque recusa normas, hábitos e a
razão.
Como oposto ao homem-massa, o autor menciona o homem nobre.
Novamente não no sentido de classe social, de posses ou títulos, mas sim de
postura, de forma de ser. O homem nobre é o oposto do homem-massa porque ele
tem senso histórico, respeita a tradição, as conquistas de seus antepassados.
Ele tem senso de dever, de responsabilidade. Não espera que o Estado resolva
seus problemas, não entrega seu destino nas mãos do Estado. Ele é dono do seu
destino e busca o aperfeiçoamento mediante o esforço e o compromisso. Não
pretende resolver os problemas estruturais, mas sim os pontuais, não quer mudar
o mundo, mas melhorá-lo. Valorizam os valores e a moral civilizatórios, a
disciplina, a ordem e a lei.
Partindo dessa comparação entre homem-massa e homem nobre, o
autor analisa outras questões mais profundas, como o declínio da Europa. Por declínio,
se refere ao fato de a Europa ter perdido seu poder de mando. O autor enfatiza
que toda sociedade é hierárquica, há sempre uma minoria dominante e uma massa média
e, se assim não for, não há organização, não há sociedade. Esclareça-se que
essa minoria não é dominante ao acaso, mas sim devido a sua excelência e autenticidade,
ao seu senso de dever para com os outros. A sociedade sem mando é como uma
turma de alunos que, quando se fica sem professor, fica sem rumo e se entrega à
confusão e à balbúrdia. Voltando à Europa, Ortega y Gasset defende sua união e
sua diversidade, mas reconhece a falta de uma estrutura estatal comum para
isso. A falta de mando resulta no enfraquecimento da Europa, o que dá lugar a
nacionalismos e governos totalitários como o fascismo e o comunismo, que
repetem os erros do passado.
O homem-massa carece de projetos, aspirações, premissas, não
reconhece a autoridade da minoria dominante, pelo contrário, deseja mandar e tomar-lhe
o lugar em benefício próprio. Enquanto o homem humilde reconhece suas limitações,
mas aspira ao aperfeiçoamento, o homem-massa exalta sua vulgaridade, seu
direito a ignorar, vangloria-se de ser como todos, não cumpre sua vocação,
não é autêntico, o que supõe uma desmoralização.
Certamente deixei escapar muitos aspectos importantes da
obra, mas o que mais me marcou foi seu caráter atual, como o homem-massa
continua predominando em nossa sociedade, mesmo tendo passado quase um século da publicação desta obra. Acredito que este fenômeno é perceptível em todos os campos de
conhecimento. Na língua, por exemplo, observamos a desvalorização da norma, a
ojeriza ao estudo formal, ao mesmo tempo que se exalta a vulgaridade, quando pululam
nas vitrines das livrarias os livros de autoajuda com palavrões no título: é 'F*da' para todo lado.