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sexta-feira, 3 de julho de 2020

Entrevista a Márcia Ribas, tradutora de A Sombra do Vento




Márcia Cavalcanti Ribas Vieira é graduada em Ciências Sociais, com mestrado em Letras pela PUC-RJ, com uma tese sobre o livro Lavoura Arcaica de Raduan Nassar. Morou durante algum tempo na Argentina e no Chile e traduziu cerca de 20 livros entre 1983 e 2008, entre os quais o fenômeno de vendas A Sombra do Vento — do escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón, que conquistou fama internacional com esse livro — pela Editora  Objetiva em 2004. Além disso, Márcia traduziu e fez versões de alguns filmes para a TV e publicou o livro de poesias Anos 70, pela Editora 7 Letras em 2002. Afastou-se da área de tradução em 2008.

Olá, Márcia, seja muito bem-vinda! Em primeiro lugar gostaria de agradecer sua disposição em participar desta entrevista e dizer que admiro muito seu trabalho. Como fã de A Sombra do Vento (livro que já li três vezes), gostaria muito de saber mais sobre sua experiência como tradutora dessa obra do espanhol europeu para o português do Brasil.

A tradução literária é por si mesma uma tarefa muito instigadora, mas cada livro é um desafio à parte. Quais foram as principais dificuldades que você encarou quando traduziu A Sombra do Vento?

As maiores dificuldades foram, sem dúvida, as expressões idiomáticas, as expressões de um modo geral. Orientada pelo espanhol “argentino”, algumas expressões eram totalmente desconhecidas para mim, oriundas de épocas e locais precisos, em Espanha, na Barcelona, naquela época. Outras, conhecidas, sim,  no espanhol  “argentino” mas não por mim.

Cada autor tem um estilo próprio que precisa ser respeitado para que o leitor tenha a experiência mais próxima daquela que teria se pudesse ler o original. No que diz respeito a Carlos Ruiz Zafón, que dificuldades impõe seu estilo?

São as expressões, basicamente. O texto de um modo geral e muito poético, muito sentimental, com muitas descrições que relatam sonhos e impressões. É preciso seguir o que o autor quer dizer. E básico entender que o texto é poético. No entanto, nos diálogos, quando há expressões que não conhecemos, estas se tornam a maior dificuldade. Podemos trocar as palavras, mas é essencial passar o que o autor quis dizer, o sentido daquilo que está dizendo.

E a tradução dos diálogos? Quais foram suas diretrizes para conseguir um bom resultado?

Ser o mais fiel possível ao que os personagens querem dizer.

A obra em questão está impregnada de marcas culturais, referências a Barcelona, a pratos típicos, a personagens históricos, à Guerra Civil espanhola. Como lidar com toda essa informação?

É indispensável fazer uma pesquisa inicial, buscar dicionários especializados, dicionários de espanhol, outro de espanhol/português, outro português/português, dicionários que explicam, outro que dão sinônimos, antônimos, dicionários de gírias e  expressões espanhol/espanhol, dicionário espanhol/francês , de gírias em francês, e assim por diante. Quanto à época histórica, não vi tanta necessidade de ir muito além do que estava no texto, e um pouco já conhecia; a culinária, foi preciso pesquisar, e até passei lista de palavras a uma pessoa conhecida. E preciso “desvendar” o livro, esclarecer o máximo possível tudo, para depois começar a transportá-lo ao seu idioma. E bom esclarecer que falo espanhol desde muito pequena, por questões familiares. E português, fui leitora assídua da literatura nacional e estrangeira.

Nem sempre podemos nos servir das mesmas palavras que o autor usa no outro  idioma. Para isso, a leitura de um modo geral é importantíssima, ler os grandes autores, como se servem da linguagem. E ainda temos a questão da sintaxe, da gramática em português, que, se bem que o revisor vai ajudar, é uma área em que, quanto mais domínio tivermos, mais fácil será a tradução.

A intraduzibilidade é uma pedra no sapato do tradutor, no entanto não temos como fugir dela. Qual é a sua atitude diante de um termo ou expressão intraduzível?

Colocando nota de rodapé, explicando ao máximo.

Para terminar, uma curiosidade: Qual é o seu personagem favorito de A Sombra do Vento e por quê?

Acho que é o Fermín Romero de Torres, mas todos são interessantíssimos!

Agora sim, a "saideira": O que representa A Sombra do Vento em sua vida?

Bem, um trabalho que levei a cabo com muita satisfação. O livro é uma obra muito bem realizada. 

domingo, 11 de setembro de 2016

Entrevista a Paulo Henriques Britto, em Cadernos de Tradução da UFSC

Caros leitores,

Quando o assunto é tradução literária, o livro de que mais gostei e com cujas posições mais me identifiquei é A tradução literária, de Paulo Henriques Britto. Há tempo tinha vontade de entrevistá-lo, mas nesta semana chegou a minha caixa de e-mails a notícia da publicação da nova edição dos Cadernos de Tradução da UFSC, v. 36 n. 3 (2016), onde encontrei esta maravilhosa entrevista feita pelo professor Gilles Jean Abes ao renomado tradutor. Minha única interferência foi adicionar a foto do tradutor, retirada de um artigo da versão eletrônica do jornal Folha de S. Paulo, como se indica mais abaixo. O texto da entrevista foi reproduzido integralmente conforme publicado na revista.

Achei esta entrevista excelente, pois aborda de forma muito elucidativa assuntos polêmicos como original versus tradução, fidelidade, visibilidade, teoria da morte do autor, domesticação, adaptação, etc., temas que me inquietaram muito durante minha formação. Sem dúvida, eu não teria conseguido fazer uma entrevista tão reveladora, por isso, contentei-me em pedir a autorização do tradutor e a da Editora chefe da revista, a professora Andréia Guerini, para publicar a entrevista aqui no blog. Expresso a ambos meus sinceros agradecimentos.

Espero que desfrutem da leitura tanto quanto eu.

ENTREVISTA COM PAULO HENRIQUES BRITTO

 Paulo Henriques Britto é professor de tradução, de criação literária e de literatura na PUC-Rio, além de ser um tradutor e poeta premiado. É responsável por mais de cem publicações, dentre as quais muitas obras de ficção, mas também de poesia. Uma de suas traduções mais recentes é Grandes esperanças, de Charles Dickens (2º lugar no prêmio Jabuti em 2013), publicada pela Companhia das Letras. Já traduziu Elizabeth Bishop, Wallace Stevens, D. H. Lawrence, Henry James, William Faulkner e Lord Byron, dentre os autores mais famosos. Publicou seis livros de poesia, pelos quais recebeu importantes prêmios literários: Liturgia da matéria (1982); Mínima lírica (1989); Trovar claro (1997, Prêmio Alphonsus de Guimaraens); Macau (2003, Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira e Prêmio Alceu Amoroso Lima); Tarde
(2007, Prêmio Alphonsus de Guimaraens); e Formas do nada (2012, 8º Prêmio Bravo! Bradesco Prime de Literatura, Melhor Livro). Como tradutor, recebeu em 1995 o Prêmio Paulo Rónai da Fundação da Biblioteca Nacional pela sua tradução da obra A
mecânica das águas, de E. L. Doctorow. Publicou ainda o livro de contos Paraísos Artificiais, também pela Companhia das Letras, em 2004, além de numerosos artigos científicos. Sua obra A tradução literária recebeu, em 2013, o Prêmio Mário de Andrade de Ensaio Literário.

Gilles Jean Abes
Universidade Federal de Santa Catarina 

Cadernos de Tradução (CT): Em seu livro A tradução literária, cujas reflexões gostaria  de debater nas perguntas a seguir, você sustenta várias posições sobre tradução que podem gerar polêmica ou reações adversas, assim como estimulam uma reflexão sobre a tradução de literatura. Uma delas é a importância do original.
O que seria esse texto original, principalmente se pensarmos nos manuscritos de Shakespeare, frequentemente citados para desvalorizá-lo?

Paulo Henriques Britto (PHB): Há nessa argumentação uma falácia óbvia, muito comum nos que defendem posições radicais na área dos Estudos da Tradução. Vou começar com um exemplo. De vez em quando nasce um hermafrodita em algum lugar do mundo – uma criança com órgãos genitais masculinos e femininos. Uma pessoa assim é difícil de classificar como homem ou mulher, sem dúvida. Devemos concluir que a categorização dos seres humanos como masculino e feminino é uma criação cultural totalmente arbitrária, que deve ser desconstruída? Ora, basta pensar por alguns instantes para concluir que tal conclusão seria injustificada: é só lembrar que os homens não ovulam nem engravidam e as mulheres não produzem sêmen, que para a imensa maioria da humanidade faz sentido dizer que há pessoas que ovulam e potencialmente engravidam – mulheres – e outras que produzem sêmen – homens. A existência de alguns hermafroditas não altera este fato incontestável. De fato, existem vários textos diferentes que podem ser tomados como originais do Hamlet; por outro lado, há um único texto para os Sonnets de Shakespeare, e casos semelhantes ao dos Sonnets constituem a imensa maioria. Do mesmo modo, basta pensar por alguns instantes para vermos que a distinção entre original e tradução não é de todo arbitrária. Eis uma diferença: periodicamente tradutores brasileiros e portugueses realizam novas traduções dos Sonnets, ou de uma das versões do original do Hamlet; mas duvido que alguém possa citar um único caso de uma tradução brasileira ou portuguesa do Hamlet ou dos Sonnets que tenha sido usada para elaborar uma tradução para um terceiro idioma. As traduções só servem de base para outras traduções no caso muito específico em que, na cultura-fonte, não há traduções do idioma em questão.
Assim, por muito tempo as traduções brasileiras de Dostoiévski eram baseadas em versões francesas; mas tão logo surgiram bons tradutores do russo no Brasil passou-se a traduzir Dostoiévski diretamente do russo, e parece bem pouco provável que no futuro alguém no Brasil use versões francesas ou inglesas como ponto de partida para traduções de Dostoiévski. Assim, o argumento que supostamente reduz a distinção entre original e tradução a um preconceito logocêntrico é duplamente falho: primeiro, porque toma um caso excepcional para a partir dele fazer uma generalização; e segundo, porque ignora as diversas características que de fato distinguem original de tradução na cultura ocidental. Observe-se que a posição que defendo nada tem de essencialista: não estou dizendo que há diferenças essenciais entre textos ditos originais e textos resultantes de operações tradutórias. Afirmo apenas que, no atual momento da cultura ocidental, original e tradução têm características específicas que nos permitem definir essas duas categorias de modo que uma se oponha à outra. Nada impede que em outras culturas, ou que num outro momento da nossa, as coisas se deem de modo diferente.

CT: Esse apagamento do original não teria uma relação com a “morte do autor”? Seria a vereda correta a tomar, para dar visibilidade ao tradutor, a de aniquilar original e autor?

PHB: Quando, no cinema, se fala em dar visibilidade ao roteirista, o que se pretende é valorizar o trabalho do roteirista enquanto roteirista: isto é, dando-lhe crédito adequado. Se um roteirista exigir que lhe deem coautoria na direção do filme, ou que um close-up de seu rosto apareça no meio do filme, ou que seja criada uma cena musical em que ele cante e sapateie, certamente não será atendido.
Dar visibilidade para o tradutor significa estampar seu nome na página de rosto, ou na quarta capa, ou até mesmo na capa do livro, com uma fonte de tamanho razoável. Se o tradutor achar que isso é pouco, então que reivindique espaço no paratexto: introdução, prefácio, posfácio e notas. Mas o tradutor não tem o direito de alterar o enredo do livro por achá-lo pecaminoso, nem de colocar todas as ocorrências da palavra “Deus” no feminino para registrar seu repúdio da falocracia judeu-cristã, nem de incluir trechos em gíria contemporânea na tradução de uma obra do século XIX para lembrar o leitor desavisado de que o livro foi traduzido no século XXI. Os lugares para o tradutor aparecer são esses que citei acima: capas e paratexto. Apagar as fronteiras entre o autor e o tradutor é um tiro no pé, porque nega a especificidade do trabalho do tradutor.
Quanto à ideia de morte do autor, Barthes estava simplesmente criticando uma forma de crítica literária que ainda se fazia naquela época, a qual tentava explicar a obra do autor através de informações biográficas, ou tentando descobrir suas verdadeiras intenções por trás do texto. Que eu saiba, Barthes não estava dizendo que a linguagem atua espontaneamente, que os livros se escrevem sem intervenção do autor. Aos teóricos que afirmam que a linguagem escreve por conta própria, seria lícito pedir-lhes que não cobrasse direitos autorais de suas obras nem exigisse que lhe fosse dado crédito pelas ideias nelas expostas. E se aqueles que alegam que escrever e traduzir são exatamente a mesma coisa realmente acreditam no que dizem, deveriam dividir irmãmente os direitos autorais com seus tradutores.

CT: Um texto literário pode ter várias edições, com alterações feitas inclusive pelo próprio autor. Nesse sentido, o original é visto como um tipo de rascunho (Borges), ou seja, um texto passível de diferentes versões, nunca completamente finalizado. Essa atitude do autor, que busca aperfeiçoar ou alterar, sempre insatisfeito e retomando sua obra, não acaba dando espaço para que alguns teóricos da tradução desvalorizem o original, afirmando que é um simples rascunho, texto perfectível pelo tradutor que poderia corrigir erros e problemas, «melhorar a obra», para assim valorizar o seu ofício?

PHB: Na nossa cultura, considera-se que o autor tem o direito de retomar sua obra e mudá-la a seu bel-prazer. Assim, Henry James fez uma revisão minuciosa de seus principais escritos para incluí-los na New York Edition de sua obra completa. Também
Wordsworth reescreveu seus poemas de juventude na velhice. A maioria dos estudiosos aprova as versões finais de James e critica as reescritas de Wordsworth, mas o fato é que o autor tem esse direito. Por outro lado, como vou desenvolver mais adiante, o que se pede ao tradutor é que produza uma espécie de pastiche de uma obra em outro idioma cuja leitura de algum modo possa ser considerada um substituto válido para a leitura do original.
Portanto, de modo geral não se considera que caiba ao tradutor melhorar uma obra segundo seus próprios critérios de qualidade, que podem ser muito diversos dos do autor do original. Agora, tanto a primeira versão publicada de um romance de James quanto a versão incluída na New York Edition podem ser tomadas como originais pelo tradutor. O fato de haver mais de um original possível para o mesmo romance de James não abala de modo algum o conceito de original; decorre apenas do fato de o autor ter plenos direitos sobre sua própria obra. E, se o autor pode tentar melhorar sua própria obra, por que o tradutor não pode? Porque o leitor que compra um romance de James está interessado em se aproximar o máximo possível do texto de James, e não de uma versão que o tradutor considere uma versão melhorada de James.
De novo, não há nenhum essencialismo nisso: é apenas uma decorrência de como nossa cultura atualmente concebe autoria e tradução. No passado, era muito comum os tradutores se arrogarem o direito de melhorar os textos; hoje isso já não ocorre. É perfeitamente possível que no futuro isso mude, como é perfeitamente possível que em culturas muito diferentes da ocidental as coisas se deem de modo diverso. As regras do jogo da tradução, como as de qualquer outro jogo, estão sempre mudando, e não são as mesmas em todos os lugares. Mas o fato de essas regras não serem fixas e imutáveis não quer dizer que qualquer tradutor ou estudioso da tradução tem o direito de mudá-las a seu bel-prazer.
As regras do futebol são criações culturais que podem mudar, e de fato mudam, ao longo do tempo, mas nem por isso um jogador pode decidir pegar uma bola com a mão no meio de uma partida: ele levará cartão vermelho, com toda razão.

CT: Pensando aqui na dupla tradução de Maurício Cardozo da novela de Theodor Storm, Der Schimmelreiter (O centauro bronco e A assombrosa história do homem do cavalo branco), o que você entende por fidelidade?

PHB: Maurício produziu duas obras distintas: uma tradução de uma novela de Storm e uma narrativa de sua autoria, um pastiche muito criativo inspirado em Storm, Guimarães Rosa e outros autores.
O centauro não é tradução tal como o termo é entendido no mundo ocidental nos últimos cem anos, no mínimo.

CT: Você não acha que a (re)encenação dessa novela no quente e seco sertão, ao invés do cenário frio e úmido da Frísia (norte da Alemanha), problematiza o conceito de fidelidade já que, ao meu ver, elementos cruciais da novela são recriados na versão do sertão?

PHB: Sem dúvida, muita coisa da Odisseia está no Ulisses, mas não conheço ninguém que considere Joyce tradutor de Homero.
Isso em nada afeta as questões de fidelidade das traduções da Odisseia, que nada têm a ver com o romance de Joyce.

CT: Dando continuidade a esta problematização, não poderíamos distinguir uma leitura possível da obra, consciente, com um verdadeiro projeto de tradução, a exemplo do trabalho de Maurício Cardozo, de uma tradução etnocêntrica que desloca espaço, cultura e linguagem de forma inconsciente ou por causa de um leitor supostamente incapaz de acolher o Outro?

PHB: De novo, para mim, a questão é bem mais simples: A assombrosa história é uma tradução de Storm, e O centauro é uma obra original de Maurício. Não é apenas uma opinião minha: é assim que a imensa maioria dos leitores no mundo ocidental encara a questão.
Ninguém que leia um romance passado no Nordeste brasileiro acredita estar lendo a tradução de um romance passado na Frísia.
As regras que regulam o uso do conceito “tradução”, na nossa cultura e nosso tempo, não admitem que O centauro seja considerado uma tradução da obra de Storm. Já uma tradução de Storm que hoje em dia fosse considerada domesticadora continuaria sendo uma tradução, só que de uma espécie que hoje em dia a maioria dos leitores mais sofisticados rejeita. Para dar um exemplo trivial: quando me propus a traduzir as Viagens de Gulliver, consultei uma ou duas traduções mais antigas e verifiquei que numa delas a linguagem utilizada continha muitas marcas do português brasileiro contemporâneo. Além disso, nela as medidas haviam sido convertidas ao sistema métrico — assim, a altura dos liliputianos era dada em centímetros, muito embora Swift tenha escrito num tempo em que ainda não havia sido inventado o sistema métrico. Na minha tradução, não apenas mantive o sistema de pesos e medidas original como também evitei usar palavras e estruturas sintáticas que não fossem comuns no português setecentista. Fiz isso por saber que o meu público – os leitores mais sofisticados do Brasil do início do século XXI – tendem (como eu próprio, na condição de leitor) a preferir traduções mais estrangeirizantes, que levem mais a fundo o propósito de criar no leitor a ilusão de que ele está lendo uma obra redigida em outro país e em outro século.

CT: Se admitirmos que a recriação de Cardozo mantém uma postura ética da tradução (Berman), ao resgatar essa luta do homem com a natureza e o homem (os desertos do sertão e do mar da Frísia, o coronel), o conceito de adaptação seria adequado ao seu trabalho?

PHB: Eu não diria que O centauro é sequer uma adaptação. Prefiro reservar o termo para coisas como uma versão do Hamlet para mangá, ou a telenovela Grande sertão: veredas baseada em Guimarães Rosa, ou o libreto da ópera de Bizet que Meilhac e Halévy criaram com base na novela de Mérimée. Também chamaria de
“adaptação” as versões de romances de Hugo e Dickens resumidas e facilitadas para leitores infantojuvenis.

CT: Você emprega os conceitos centrífugo e centrípeto para distinguir os processos criativos do autor e do tradutor. Poderia explicar essa diferença?

PHB: Toda obra de arte de algum modo parte de obras anteriores. Para usar um conceito de Harold Bloom, por trás de cada poema há um ou mais poemas anteriores, de um ou mais poetas fortes. O poeta mais jovem, para ele próprio tentar se afirmar como um poeta forte, precisa “matar” seu pai literário, e para isso ele conscientemente se distancia de seu modelo sempre que sente que a voz do poeta anterior está excessivamente presente em seu trabalho: é o movimento centrífugo (que pode não ocorrer se o poeta se contentar em ser um epígono assumido, é claro).
Já o tradutor, ao elaborar sua tradução, por vezes se deixa levar por uma solução atraente e, ao cotejar seu texto com o original, percebe que esta solução levou sua tradução para longe demais do original; assim, ele a corrige: trata-se do movimento centrípeto (que pode não ocorrer se o tradutor, influenciado por alguma teoria que negue a ideia de fidelidade, resolver que seu poema pode e deve ser melhor do que o original).
CT: Como você entende a importância da literariedade de um texto literário?

PHB: É importante que o tradutor identifique as características que tornam o texto que ele está traduzindo uma obra literária, que lhe conferem valor estético, e se concentre na tentativa de recriar essas características na língua-meta. Caso contrário, ele corre o risco de – para usar um conceito de Benjamin – traduzir de modo equivocado algo que não é essencial no original.

CT: De que maneira poder-se-ia identificar os “elementos cruciais” de uma obra que devem ser recriados, com alguma alteração, na tradução?

PHB: Lendo o original com muita atenção com base num conhecimento aprofundado dos recursos literários do idioma do original e da tradição a que ele se filia; e elaborando com muito cuidado a tradução, com base num conhecimento aprofundado dos recursos do idioma-meta e da literatura desse idioma.

CT: Como definiria essa vivência de uma experiência de ler o texto traduzido como se estivesse lendo o original? O que seria essa experiência?

PHB: É o que a maioria esmagadora dos leitores quer: ter a experiência mais próxima possível de ler o original – que na verdade está escrito num idioma que ele não conhece – na língua que ele de fato conhece. É isso que se exige do tradutor: produzir essa ilusão (para usar o conceito de Jiří Levý) no leitor, para que ele possa, mesmo sabendo que o texto em português que ele tem na mão não foi escrito por Rilke, suspender sua descrença (como diria Coleridge) e fazer de conta que está lendo Rilke. Mas é até mais que um fazer de conta: quem lê uma boa tradução de Rilke está mesmo, num certo sentido, lendo Rilke. Podemos dizer que, dado um texto T0 no idioma α, o trabalho do tradutor é produzir um texto Tt no idioma β tal que o leitor de Tt possa afirmar, sem mentir, que leu T0. Para que ele possa fazer tal afirmação, como observa Lefevere, ele tem de se fiar no depoimento de pessoas que, dominando tanto α quanto β, se prontifiquem a ler Tt e atestem que, de fato, a experiência de ler Tt corresponde de modo significativo, ainda que não integral, à experiência de ler T0.

CT: Você concordaria com a afirmação de que o tradutor está sempre presente na sua tradução?

PHB: Sim, é inevitável. É o tradutor que se responsabiliza por suas escolhas, que fatalmente são diferentes das que seriam feitas por outro tradutor. A boa tradução é aquela que o leitor inteligente reconhece como um bom texto no seu idioma e, com base nos depoimentos de pessoas que conheçam o original e o idioma original,
conclui que tem características que lhe permitem afirmar que, ao lê-la, está num certo sentido lendo também um texto num idioma que lhe é desconhecido. Se, por outro lado, o tradutor faz questão de criar efeitos de sua própria lavra, que não correspondem a nada que se encontre no original, o texto resultante, por melhor que seja enquanto texto, pode não ser considerado uma tradução propriamente dita. É o que parece ser o caso do Rubaiyat de Edward FitzGerald e dos poemas “chineses” de Ezra Pound. Essas são as regras do jogo da tradução, tal como ele é jogado atualmente no mundo ocidental. É claro que um tradutor pode criar regras diversas,
e propor “traduções” em que o tradutor faça as mudanças que julgue necessárias para melhorar o texto original, tornando-o mais edificante, menos sexista ou menos racista; só que a maioria esmagadora dos leitores não vai considerá-las traduções. Para retomar uma analogia que emprego no meu livro: posso resolver jogar uma versão do futebol em que o jogador tenha o direito de pôr a mão na bola, ou em que haja duas bolas em campo; mas ninguém, nem os torcedores nem a FIFA, vai aceitar que isso constitua futebol.
Eventualmente, os seguidores podem ganhar força e impor seu próprio jogo: foi mais ou menos assim que surgiram o rugby e o futebol americano. Mas esses jogos modificados não são mais o futebol de associação tal como é aceito consensualmente. Você pode até preferir um desses outros jogos, mas se insistir em dizer que está jogando futebol você vai passar por excêntrico, no mínimo. No mundo do esporte, ao contrário do que ocorre no mundo dos Estudos da Tradução, as pessoas levam essas coisas mais a sério.

Recebido em: 12/03/2016
Aceito em: 18/05/2016
Publicado em setembro de 2016


quinta-feira, 14 de julho de 2016

Entrevista com a tradutora Laila Rezende Compan


Laila Compan nasceu no Rio de Janeiro, é graduada em Pedagogia pela UFRJ e pós-graduada em Tradução de Espanhol pela Universidade Estácio de Sá. É tradutora especializada em Tradução Audiovisual (tradução para dublagem e legendagem) e atua também com as áreas de marketing, educação, negócios e finanças, corporativa e comercial.

Diana – Olá, Laila, primeiramente muito obrigada por concordar em dar a entrevista, é um prazer tê-la aqui no blog! Para começar, conte-nos um pouco sobre como você se tornou uma tradutora profissional?
Laila Compan – Diana, obrigada pelo convite!
Quando estava terminando o curso de espanhol tive a oportunidade de fazer a minha primeira tradução, mas só comecei a me dedicar de fato à profissão em 2013, quando pedi demissão do emprego para fazer o que eu realmente queria: traduzir. Já tinha feito alguns cursos antes, mas não me sentia segura e não divulgava o meu trabalho. Quando deixei o medo de lado e comecei a fazer o meu marketing, os trabalhos começaram a chegar.

Diana – Em seu blog, “Tradutor Iniciante”, você oferece dicas e suporte aos tradutores que estão em início de carreira. Por favor, explique a importância de profissionalizar-se àqueles que ainda pensam que a tradução pode ser encarada como um “bico”.
Laila Compan – Sem dúvida a profissionalização é algo essencial, não apenas para quem quer ser tradutor, como para qualquer outra carreira. Ao se profissionalizar você aprende técnicas para realizar um trabalho com mais qualidade e em menos tempo. Muitos pensam que traduzir é apenas passar palavras de um idioma para o outro, quando na verdade a tradução vai muito além desse pensamento simplista. Do mesmo jeito que construir uma casa não é apenas colocar um tijolo sobre o outro, traduzir não é apenas passar palavras de uma língua para outra. A profissionalização mostra que você leva aquele trabalho a sério e te capacita para ter cada vez mais sucesso.

Diana – Como foi a experiência de criar vídeos para publicar no Youtube, quais as principais dificuldades que você encontrou, e de onde vem toda essa desenvoltura? Parece tudo tão espontâneo e natural, mas certamente deve dar muito trabalho...
Laila Compan – A cada vídeo que faço é uma experiência diferente justamente por não ser algo tão simples. Sempre preparo um roteiro com o conteúdo do vídeo, avisos, e tal. Sou uma pessoa que se preocupa muito com a qualidade das coisas que faço, mas ao mesmo tempo não espero a perfeição para começar. No início usava apenas a câmera do celular, depois baixei um app grátis para usar como microfone e melhorar o áudio. Tive e ainda tenho algumas dificuldades por falta de tripé, iluminação, mas vou tentando umas gambiarras para conseguir fazer vídeos com qualidade. Agora, a desenvoltura eu não sei de onde vem... rs Sou muito tímida, mas com o tempo acho que a gente vai se acostumando. Quando vejo um dos primeiros vídeos que publiquei e um mais recente, morro de vergonha da pessoa travadinha dando dicas... rs

Diana – Fale-nos um pouquinho sobre sua recente participação no Congresso da Abrates.
Laila Compan – Essa experiência com certeza vai ficar para a história! Apesar de ter confiança no tema, eu estava muito preocupada e tensa. Quando entrei na sala e vi que estava lotada, e que muita gente não era iniciante e tinha muito mais tempo de profissão do que eu, confesso que o nervosismo aumentou! rs Mas foi uma experiência ótima e que, além de me ajudar a aumentar a minha rede de contato, me abriu algumas portas.


Diana – Quais as vantagens que a participação nesse tipo de eventos proporciona a tradutores e aprendizes de tradução?
Laila Compan – As pessoas geralmente pensam primeiramente no networking, mas mais do que isso, quando participamos de eventos assim aprendemos muito, reforçamos o conhecimento e saímos cheios de insights. Não tem como participar de eventos assim e sair sem nenhuma ideia para colocar em prática.


Diana – O que os leitores podem esperar de seu livro “Tradutor Iniciante”?
Laila Compan – O meu livro é bem voltado para quem está no comecinho da carreira, ou para quem está pesquisando sobre a profissão. As dicas que dou no livro são dicas básicas para quem já está no mercado, mas são as maiores dúvidas de quem está começando. E um detalhe importante de ressaltar é que o conteúdo do livro é diferente do conteúdo dos vídeos e do blog.

Diana – Como você se organiza para dar conta de tantas atividades: blog, livro, vídeos, consultoria, aulas... Ainda sobra tempo para traduzir? ;-)
Laila Compan – Tenho que organizar muito bem o meu dia para conseguir dar conta de tudo. Quando escrevi o livro eu não gravava vídeos, o que me dava mais tempo para escrever. Mas hoje, mesmo com todas essas atividades que você mencionou, ainda estou preparando uma mega novidade que muito provavelmente vou contar quando chegar aos 1000 inscritos no youtube. E sim, sobra tempo para traduzir, ou melhor, eu consigo tempo para fazer as outras coisas, porque a tradução às vezes me envolve tanto que não quero parar nem para comer... rs

Diana - Você considera fundamental o networking e o uso de tecnologias na vida do tradutor? De que forma essas ferramentas contribuem para seu trabalho?
Laila Compan – Com certeza! O networking é essencial para conseguir trabalho, para dividir trabalho, para aprender com a experiência do colega. E quando falo em networking me refiro não apenas entre tradutores, mas entre profissionais de diversas áreas. Quanto à tecnologia, só posso dizer que adoro! A tecnologia facilita a nossa vida pessoal e profissional. Às vezes me pego pensando em como deveria ser a vida dos tradutores antigamente, mas nem consigo imaginar. Não sou dependente de tecnologia, mas se ela está aqui para me ajudar, vou aproveitar! A Internet, as CATs, dicionários digitais, além de ajudar a encontrar o que precisamos mais rapidamente, ajudam também a manter a tradução padronizada.

Diana – De que você mais gosta em sua profissão e o que ainda gostaria de fazer?
Laila Compan – Amo a liberdade que tenho, o fato de estar sempre aprendendo algo novo, de estar em contato com o espanhol, já que amo esse idioma. Uma das coisas que ainda gostaria de fazer, por incrível que pareça, é trabalhar in house. Muita gente me diz que não vale a pena, que vou ganhar menos, mas gostaria de ter essa experiência. Outra coisa que ainda gostaria de fazer é trabalhar com interpretação, mas para isso ainda preciso estudar bastante.

Diana – Para finalizar, quais são suas principais recomendações àqueles que estão iniciando a carreira?
Laila Compan – O que eu recomendo para quem está começando a carreira agora é estudar, pesquisar e praticar muito! É preciso estar atento porque a língua é algo vivo e sofre constantes mudanças, e nós precisamos acompanhar essas mudanças para fazer um bom trabalho. Outra recomendação que dou, e que inclusive está no livro, é para divulgar o seu trabalho. Não seja um tradutor 007. Todas as pessoas que estão ao seu redor têm que saber que você é tradutor.



Para receber mais dicas é só acessar os links abaixo:

Snapchat: rezendelaila
e-mail: contato@tradutoriniciante.com.br
Livro: http://www.clubedeautores.com.br/book/191212--Tradutor_Iniciante?topic=guiasdeestudo#.V4ZsVbgrLIU

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Entrevista com a tradutora Lineimar Martins sobre o lançamento de seu livro "Memórias de uma Suburbana 'dura' que decidiu morar na Europa"

Lineimar Martins, autora de "Memórias de uma suburbana
‘dura’ que decidiu morar na Europa

Diana – Olá, Lineimar! Em primeiro lugar quero agradecer sua participação e dizer que é um grande prazer tê-la novamente aqui no blog. Para quem ainda não leu sua entrevista, Lineimar Martins é franco-brasileira, doutora em antropologia, tradutora de francês e escritora. Aliás, foi esta última qualidade que motivou a presente entrevista. Ela acaba de publicar seu livro “Memórias de uma suburbana ‘dura’ que decidiu morar na Europa”. O que a motivou a querer contar essa história?

Lineimar Vários fatores me levaram a escrevê-la. Há alguns anos, recebi o diretor de uma editora brasileira em Lyon, onde morava. Já naquela época ele havia me sugerido escrever sobre minha decisão de largar tudo no Brasil e vir para a Europa, sem dinheiro e sem conhecer ninguém aqui, dizendo que esse assunto poderia interessar a muita gente. Sugeriu também colocar uma pouco de humor, para que ficasse uma leitura leve. Na época, eu não estava muito convicta, na verdade estava no meio dos meus estudos de etnologia, envolvida com outro tipo de escritura, mais acadêmica, mas a ideia ficou. Hoje, passados quase vinte anos dessa conversa, levo uma vida muito diferente. A sugestão dele começou a fazer sentido. Porque me sinto em paz comigo mesma, quis mostrar àqueles que vão ler o livro o quanto é importante ter sonhos, acreditar neles, mesmo que seja necessário colocar toda nossa energia em sua realização, que foi o que fiz vinte e quatro anos atrás. Enfim, uma razão secundária, mas também importante, é contradizer a todos os que subentenderam que tive sorte na vida e mostrar que tudo o que conquistei foi com determinação e trabalho.

Diana - Conte-nos um pouco sobre o processo de “gestação”

LineimarFoi um longo processo. Desde que a crise atingiu a editora com a qual trabalho, o fluxo de minhas traduções diminuiu sensivelmente. Como acho que o tempo é um bem raro e deve ser aproveitado intensamente, comecei a pensar em como usá-lo de um modo produtivo. Lembrei-me dessa conversa com o tal editor. O mais difícil foi achar o tom e o fio condutor da história.  Ouvi outro dia, num programa literário, alguém dizer que toda história merece ser contada, o mais importante é saber contá-la. Como não sou rica, nem famosa, nem fiz nenhuma grande descoberta revolucionária, teria que encontrar um gancho atrativo que envolvesse o leitor. Havia até pensado em escrever como se fosse meu filho contando minha história depois da minha morte, utilizando o ela no lugar do eu. Mas além de macabro... rsrs, o exercício seria mais complicado. Depois me perguntei que momento seria pertinente para começá-la: na infância, na morte da minha mãe, que foi um novo ponto de partida para mim, na chegada aqui... então me lembrei dessa conversa com meu ex-namorado.  Sem eu perceber, ela me marcou, pois lembro exatamente de tudo, até do rosto dele dizendo isso. Foi mesmo um desafio que ele, sem querer, colocou quando duvidou de mim. E como não podia deixar de ser, “antropologizei” a história, contextualizei as situações para dar uma maior densidade e um interesse sociológico com alguns insights sobre questionamentos pessoais, sobre o determinismo social, sobre o quanto o olhar dos outros pode nos influenciar na vida. Depois que encontrei o tom, foi muito rápido.

Diana – Agora que você já falou da “gestação”, diga-nos como foi o “parto”? ...rss  Foi difícil trazer a obra à luz, publicá-la?

Lineimar Primeiramente, devo admitir publicamente meu mais grave defeito: sou impaciente. Fiz uma carta que enviei a algumas editoras, personalizadas, enviando uma a uma com o nome do responsável pela edição. Como as respostas foram negativas, algumas me dizendo para voltar a contatá-los em dois anos!, decidi usar a autoedição mais uma vez. Já havia publicado um livro assim. É interessante. Meu objetivo é fazer coisas na vida, usar meu cérebro, não concebo ficar de braços cruzados e já não tenho tanta necessidade de reconhecimento. Por isso, a autoedição me convém. Concretizei um projeto, comecei a divulgá-lo, se agradar às pessoas melhor ainda, pois o objetivo é compartilhar o conhecimento, saberes. Mas o essencial foi ter usado meu tempo ocioso fazendo alguma coisa rica e interessante. Nessa forma de publicação somos nós, os autores, que fazemos tudo: a paginação, a capa, decidimos o tamanho etc. É a parte prazerosa do projeto, quando o que esteve durante meses em nossa mente se materializa. A partir de agora, o que vier é lucro.

Diana – Continuando com a metáfora da maternidade, em algum momento o filho tornou-se rebelde, fugiu do controle? Acredito que a escrita, principalmente a autobiográfica, é um exercício revelador que em algum momento pode nos surpreender e trazer à tona coisas que não esperávamos. É isso mesmo?

Lineimar Não sei se considero ter fugido do controle, mas teve um capítulo inteiro no qual falava de meu pai que retirei do livro. Por que era extremamente íntimo e não dizia respeito somente a mim. Acho a história da família dele fantástica, tipicamente brasileira, mas falar da saga familiar envolveria também meus primos, meus tios, irmãos, e não sei se todos estariam dispostos a ter sua história familiar estampada em um livro, publicamente. Teria sido impudente demais.

Diana – “Mulher”, “suburbana”, “dura”, você não deixou que esses rótulos se interpusessem em seu caminho atrás de um sonho. De onde veio tanta obstinação e persistência?

Lineimar Alguma coisa dentro de mim nunca aceitou certas coisas, como o machismo, a discriminação ou a injustiça social. Não sei de onde vem isso, mas nunca consegui conceber que certas coisas devessem ser exclusivas aos que nasceram em berço de ouro, ou com outro sexo, ou em outro país. Não sou fatalista, ao contrário, acredito em nosso poder interno. Também não sou materialista e não ligo para o luxo, mas acho que a cultura deveria ser um direito de todos. E sempre corri atrás dela. Além disso, já fui militante política, já trabalhei no humanitário, tentando reparar um pouco dessas injustiças, mas tive a impressão de dar murro em ponta de faca. Então agi e ajo no meu âmbito pessoal para tentar mudar pelo menos a visão das coisas, que é o que está a meu alcance na vida e na profissão que escolhi.

Diana – O que você diria àqueles que sonham com uma vida nova em outro país, mas não tem recursos financeiros? Você acha que daria para repetir sua façanha nos dias atuais?

LineimarPois é, acho que hoje o mundo não é mais o mesmo. Algumas coisas estão muito mais fáceis, com internet e a democratização dos preços de passagens aéreas, mas outras mais complicadas por causa do terrorismo e do aumento da xenofobia e do racismo no mundo. A Europa está vivendo uma grande contradição ou mesmo uma retrogradação, pois estava caminhando para a abertura das fronteiras com a criação da Comunidade Europeia e o espaço Schengen, mas hoje muitos países que constituem a Comunidade Europeia estão apresentando programas retrógrados com tendência ao fechamento das fronteiras. O Reino Unido acaba de votar por uma saída da Comunidade, outros países como a Grécia já levantaram essa questão. E nos Estados Unidos existe a possibilidade de eleição de um homem abertamente racista e xenófobo como o Donald Trump. Isso tudo atinge o modo como esses países recebem e tratam seus imigrantes. Mas felizmente o mundo não se resume à Europa e aos Estados Unidos, muitos países estão abrindo as portas para estrangeiros, de acordo com suas necessidades de mão de obra, como o Canadá e talvez países asiáticos ou africanos. Não recomendaria fazer como eu fiz, lançar-se assim, na lata, como dizemos no Rio, mas realmente preparar um projeto, aprender o idioma, trabalhar para juntar dinheiro, se informar sobre as leis imigratórias e até fazer uma formação na área carente de mão de obra, por exemplo. Sei que aqui na França, apesar de um altíssimo desemprego, algumas ofertas de emprego não encontram mão de obra, como para servir e lavar louça em restaurantes, cuidados com pessoas idosas. Estão também precisando muito de médicos para morar em pequenas cidades. Já li que algumas cidades oferecem consultório montado para médicos que se disponibilizariam em morar ali. Mas o que é muito importante saber antes de se lançar, é que a probabilidade de descer na pirâmide social é muito grande, quando se emigra para outro país. Eu mesma deixei um cargo de Assistente de Merchandising para fazer faxina e cuidar de crianças. Deve-se ter consciência disso, porque nem sempre é fácil para a autoestima.

Diana – O que os leitores podem esperar de seu livro?

LineimarAcho que uma das coisas positivas que eles podem encontrar nesse livro é o acompanhamento da realização de um projeto que começou do nada e foi tomando forma. Tentei transmitir o processo mental que me motivou a fazê-lo, embora não tenha certeza de ter conseguido. E, evidentemente, o processo material que foi o que desbloqueou na prática todo o resto. Quis mostrar o valor do trabalho, da determinação, da fé em si mesmo. Detesto certa mentalidade de hoje que supervaloriza o dinheiro fácil, a celebridade, o materialismo predominante. Além desse aspecto, os que nunca estiveram na Europa vão aprender um pouquinho sobre alguns países que compõem esse continente, através do meu olhar, é claro, fora dos roteiros turísticos, o olhar de alguém apaixonado pela vida e pelas belas coisas que o mundo tem para mostrar em termos de patrimônio e cultura. Mesmo hoje, quando passeio pela Europa, fico deslumbrada com a beleza e organização deste lugar.

Diana – Para terminar, você está traduzindo seu livro para o francês, como é a experiência de traduzir o próprio livro?

Lineimar - Na verdade vai além de uma tradução. Estou adaptando o texto para o leitor europeu. O posicionamento é totalmente diferente, porque acho que ele não tem ideia do que a Europa representa para a gente, do outro lado do Atlântico. Estou focalizando nas particularidades do Brasil, tem uma ênfase mais sociológica, principalmente quando falo dos anos 1970 aos 1990 quando deixei o país, a ditadura militar e o que tudo isso representava para minha geração, nascida com o golpe de 1964. Enfatizo a questão dos preconceitos contra os suburbanos que, na minha opinião, é muito forte na cidade do Rio de Janeiro. Fiz uma tradução do texto quase literal para usá-la como esqueleto do texto francês, e agora vou transformá-la, deixá-la mais fluida. É claro que, mais ainda que para a versão em português, que você inclusive tornou melhor com suas sugestões, vou precisar de um revisor francófono para corrigi-la. Depois, passará pela crítica exigente do meu marido. 



Disponível para venda no Clube de Autores e na Amazon.

terça-feira, 15 de março de 2016

Entrevista a la traductora de portugués Sonia Rodríguez Mella


Sonia Rodríguez Mella es traductora de portugués y autora del Diccionario ACME Español-Portugués/Portugués-Español, publicado por la Editorial Acme Agency. Desarrolla su actividad en forma independiente desde 1993, compartida con su profesión de contadora pública, para finalmente, desde al año 2005 dedicarse exclusivamente al área de las traducciones de portugués. Actualmente, dirige una página en Facebook, Traducciones de Portugués, con casi 7000 seguidores, en la cual transmite sus experiencias relacionadas con los idiomas español y portugués. También es autora del blog www.traducirportugues.com.ar.


Diana – Hola, Sonia, ha sido un placer poder entablar conversación contigo e intercambiar ideas, lo que en nuestro caso es muy interesante ya que tenemos diferentes perspectivas de la lengua, yo como traductora de español en Brasil y tú como traductora de portugués en Argentina. Muchas gracias por aceptar dar la entrevista y permitirnos saber un poco más sobre tu experiencia. Cuéntanos un poco sobre cómo surgió la lengua portuguesa en tu vida y cómo fue tu formación para llegar a ser traductora.

Sonia – Para mí también ha sido un placer habernos contactado. En el año 1980 me recibí de Contadora Pública y para festejar este hecho viajé por primera vez a Brasil. Así comenzó mi inclinación por la cultura brasileña, principalmente por su música. Ese fue el verdadero motivo por el cual comencé a estudiar portugués. Es que no podía escuchar a Chico Buarque o Milton Nascimento, ni a Caetano Veloso o Gilberto Gil, sin entender lo que decían esas hermosas canciones. Y una cosa fue llevando a la otra. Cuando comencé a estudiar portugués, también caí en sus brazos seductores y este logró que, de a poco, casi sin darme cuenta, me transformara de contadora en traductora. Hoy me siento agradecida de poder dedicarme a esta actividad que me llena de felicidad.

Diana - ¿Qué fue lo que más te costó aprender de la lengua portuguesa?

Sonia – Me costó adaptarme a la existencia de tantos falsos amigos con el español. Los verbos también fueron una dificultad al comienzo, especialmente con tantas pseudosemejanzas con el idioma español. Recuerdo que el pretérito perfeito simples en su segunda conjugación era un problema, no tanto al hablarlo sino al escucharlo y tratar de entenderlo como pasado y no como presente. Me llevó su tiempo. Lo mismo con el Futuro do Subjuntivo o con el Pretérito Perfeito Composto. Tampoco fueron fáciles varios aspectos de su fonética. Es una lengua difícil. Pienso que el idioma portugués es injustamente subestimado por muchos que creen que por sus similitudes con el español se trata de un “idioma fácil”.

Diana - ¿Qué es lo que más te gusta de la cultura brasileña?

Sonia – Sin ninguna duda, su música. Siento una gran pasión por la música de Brasil. A través de ella tuve la oportunidad de aprender mucho portugués. Eran épocas donde los LP o los K7 no incluía las letras de las canciones, de modo que para poder entenderlas había que sentarse largo tiempo con los auriculares y tomar nota. Era una tarea sumamente desafiante y enriquecedora. Es algo que recomiendo fervientemente a quienes desean acercarse a esta hermosa lengua.


Diana – Cuéntanos sobre la elaboración del Diccionario ACME.  ¿Cuáles fueron los principales retos, cuánto tiempo tardaste en concluirlo, fue un trabajo individual o en equipo?

Sonia –En un inicio, pensaba que solo iba a publicar un diccionario especializado en el área comercial y de las ciencias económicas, pero a solicitud de la editorial, el proyecto inicial dio paso a lo que sería un diccionario bilingüe, ¡de más de 800 páginas!
Demoré varios años en elaborarlo. Fue un trabajo que realicé sola, en una época en la que recién comenzaba a funcionar el correo electrónico; no podía hacer consultas permanentes en internet, no se podía copiar y pegar. Fue elaborado a partir de la lectura de los principales diccionarios bilingües impresos disponibles en el mercado, y, desde luego, teniendo como base el Dicionário Aurélio. Me preocupé por que el lector tuviera acceso a términos o cuestiones gramaticales o culturales que, normalmente, no se incluían en otros diccionarios bilingües. Fue una tarea magnífica que deseo repetir y actualizar con el agregador de la experiencia adquirida en todos estos años. Este diccionario es algo también muy simbólico para mí. Durante su elaboración perdí a mi madre y di a luz a mi hija, quien nació en el mismo año de su publicación.

Diana - Y en cuanto a la adaptación al español del cuento infantil Mateo, el duende y la brujita buena de la escritora Esther Cohen, ¿cómo fue esa experiencia?

Sonia – Esa fue una gran experiencia. Me gusta mucho la poesía en general, no solo la poesía infantil. La traducción de poesía tiene muchos puntos en contacto con la traducción de canciones, que tanto me gusta. Es un área en la que se debe tener un justo equilibrio entre la interpretación, la literalidad y la musicalidad. En mi caso, es un trabajo casi interminable, pues es difícil estar conforme del todo con la traducción de una poesía o de una canción; como traductor, uno tiende a apropiarse de la obra. Cada vez que la lees, quieres modificarla, seguir trabajando en ella, siempre te parece que está sin terminar, pero cuando se trata de entregas de trabajo, debemos poner una mano en nuestro corazón y despedirnos de aquellas líneas con las que se mantuvo un juego de seducción que inexorablemente debe llegar a su fin. 

Diana - ¿Cómo te organizas para publicar tantas cosas interesantes en tu blog (Traducir Portugués), de dónde sacas las ideas y a quiénes está dirigido

Sonia – Las ideas de lo que publico por lo general hacen referencia a las propias dificultades que enfrenté cuando estudiaba portugués y por eso creo que tienen un eco importante entre los seguidores. Por otra parte, realmente me encanta el idioma portugués, y a través del blog, siento que puedo transmitir todas las experiencias vinculadas a su estudio, así como aquellas relacionadas con la actividad de traductora. Hay distintos tipos de seguidores en el blog, pero principalmente son alumnos de portugués/español, profesores de portugués/español, traductores, amantes de los idiomas y muchos curiosos. :-)

Diana – Sé que te gusta mucho la música brasileña, ¿crees que la música es una buena herramienta para aprender un idioma? ¿Por qué?

Sonia – Creo que la música es una herramienta excelente para aprender un idioma. No solo nos permite tener un acercamiento a la fonética de distintas regiones de Brasil, sino también una aproximación a las numerosas facetas que presenta la cultura brasileña. Yo aprendí mucho así, escuchando canciones en portugués. En épocas en que daba clases, nunca dudé en valerme de la música, a veces, no como un recurso más, sino como el recurso principal.

Diana – Desde 2005 la legislación brasileña obliga a las escuelas públicas a ofrecer, a partir de la secundaria, el español  como asignatura facultativa. Sin embargo, brechas en la legislación hacen que la oferta no llegue a todos y, así, la lengua española no logra un espacio en la enseñanza pública brasileña, al contrario del inglés, que es asignatura obligatoria y regular a partir del 6º grado de la enseñanza primaria.  ¿Cómo se da la enseñanza del portugués en Argentina? ¿El gobierno argentino la fomenta de alguna manera?

Sonia – En la Argentina tengo entendido que había un proyecto para la enseñanza del idioma portugués obligatorio en las escuelas secundarias. Incluso, debido a la falta de profesores de portugués, el Ministerio de Educación, en su momento, implementó un profesorado a distancia. Este programa no tuvo éxito e incluso los títulos habilitantes no se entregaron, con lo cual mucha gente se sintió traicionada. En verdad, no se trataba de un profesorado sino de un “título habilitante” para dar clases de portugués. Yo misma hice ese curso pero no lo concluí. El inglés continúa siendo la lengua más estudiada en las escuelas, después del español, pero no sé en qué estado se encuentra en estos momentos la implementación del idioma portugués como obligatorio en los colegios.

Diana – ¿Crees que la semejanza entre las dos lenguas, español y portugués, dificulta o facilita el aprendizaje?

Sonia – En primera instancia, pienso que la semejanza dificulta el aprendizaje, porque es difícil salirse del marco del idioma nativo al tener tantas cosas parecidas, pero luego, se convierte en un motor que nos permite no solo aprender mejor el nuevo idioma, sino también enriquecer nuestra lengua nativa,

Diana – Para terminar, ¿cuáles son tus sueños y planes para el futuro, qué trabajos te gustaría realizar como traductora?

Sonia – Espero continuar realizando traducciones para las empresas y los profesionales que continúan confiando en mi trabajo, así como para los que se sumen en el futuro. También me gustaría tener la oportunidad de publicar un nuevo diccionario y poder continuar con un viejo proyecto relacionado con la traducción y adaptación de canciones en español y portugués.