segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O relativismo na tradução



O artigo de hoje se refere a uma corrente de pensamento que se apresenta como receptiva e indulgente, mas que me parece, ao contrário, excludente e inflexível.

Refiro-me ao relativismo como pensamento que propõe que não existe verdade absoluta, no plano geral, a verdade sendo aquilo que cada um percebe como tal, no plano particular. A célebre frase do poeta espanhol Ramón de Campoamor que diz: “En este mundo traidor / nada es verdad ni mentira / todo es según el color / del cristal con que se mira” deu origem à expressão “Lei Campoamor”, empregada hoje em dia, geralmente no âmbito da administração pública, como uma metáfora para indicar que alguém fez uma interpretação arbitrária de uma lei para obter vantagens.

Provavelmente a intenção do poeta não era preconizar a liberdade individual em detrimento da justiça, mas expressar sua desconfiança em relação a um mundo em que a realidade sofre constante transformação.

O relativismo de grupo defende que a verdade depende da cultura, da classe social, do gênero etc., no entanto, o relativismo mais radical é aquele que defende que há tantas verdades quanto pessoas houver, pois cada pessoa tem a sua própria verdade. “O homem é a medida de todas as coisas” é um trecho de uma conhecida frase do sofista grego Protágoras, que expressa a noção do relativismo, propondo que cada pessoa compreende uma coisa da sua maneira específica.

Assim, uma ideia que em princípio parece acolher todas as opiniões, na verdade coloca a opinião individual acima de todas as outras em nome de uma suposta liberdade e suplanta valores morais como bem e mal, ética e justiça.

No entanto, o que me interessa aqui é questionar o modo como o relativismo pode afetar o âmbito da tradução. Para isso, usarei como subsídio a obra A tradução literária, do tradutor Paulo Henriques Britto, publicada pela primeira vez em 2012.

Na área da tradução, mais especificamente a tradução literária, o relativismo coloca em xeque principalmente a noção de fidelidade ao texto original e a possibilidade de julgar a qualidade de uma tradução.

A relativização seria a desconstrução de verdades predeterminadas. Quando uma nova geração de críticos, inspirados pela desconstrução francesa e pelo pragmatismo norte-americano, passou a questionar alguns pressupostos básicos como a ideia de que o texto literário tem um sentido estável e único a ser decifrado, isso teve um impacto crucial no campo da tradução. Passou-se a questionar a noção de autoria, já que nenhum texto seria original, pois todo texto seria inspirado por outros textos, constituindo uma trama de significados, um diálogo entre autores, e o significado do texto, em última instância, se daria pelo encontro com o leitor. Consequentemente, colocou-se em dúvida a relação de hierarquia entre o original e a tradução, e alguns teóricos mais extremos passaram a afirmar que tal distinção não passaria de preconceito.

A ideia de um texto aberto a múltiplas interpretações deitaria por terra a noção de fidelidade?

Segundo Paulo Britto, não. Embora ele admita que o significado não é uma propriedade estável do texto, uma essência que possa ser destacada e isolada e, ainda que sua visão de sentido seja também antiessencialista, ele defende que a tradução, como atividade pragmática, estaria sujeita às convenções do que se entende por tradução na sociedade e tempo em que vivemos. A tradução segue determinadas regras que constituem o que podemos chamar de “jogo da tradução”.  Eis algumas regras deste jogo: o tradutor deve pressupor que o texto literário possui uma pluralidade de sentidos, ambiguidades e indefinições, e deve produzir um texto que possa ser lido como “a mesma coisa que o original”, reproduzindo os efeitos de sentido, estilo e som, de maneira que o leitor da tradução possa afirmar, sem mentir, que leu o original.

Assim, este autor defende que tradução e criação literária não são a mesma coisa; que a fidelidade ao original é crucial na tradução e que, não só podemos como devemos avaliar criticamente traduções com certo grau de objetividade.

O fato de não podermos ser absolutamente objetivos em termos de avaliação não nos condena a uma subjetividade absoluta. Julgar qualitativamente uma tradução com base em critérios razoavelmente objetivos, e não apenas no gosto pessoal, não é somente possível como necessário.

Embora a fidelidade absoluta seja uma meta intangível, isso não a invalida como meta. Todo o conhecimento do real é sujeito a dúvidas e imprecisões, o que não significa que seja absolutamente impossível afirmar algo a respeito do que quer que seja com certo grau de objetividade.

Diferentemente do texto técnico, em que se destaca a função referencial, isto é, o caráter informativo e funcional do texto; no texto literário, destaca-se a função poética, isto é, a mensagem em si e o prazer estético que esta proporciona. Mesmo sendo impossível a reprodução total de todos os aspectos da literariedade do texto original, a tarefa do tradutor consiste em determinar as caraterísticas mais relevantes do texto e passíveis de reconstrução na língua meta.

Com base nesses pressupostos, uma boa tradução literária seria aquela que conseguisse preservar, na medida do possível, a literariedade do texto original e que conseguisse reproduzir os seus efeitos: um texto que provoque riso no original deveria fazê-lo em sua tradução; um texto considerado difícil, espinhoso e estranho na cultura de origem deveria provocar essa mesma sensação no público da cultura para o qual foi traduzido, e assim por diante. Além disso, é possível analisar de modo objetivo a qualidade de uma tradução literária observando aspectos como a sintaxe, o vocabulário, o grau de formalidade, a temporalidade, o estilo, as conotações, entre muitos outros.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Tradução de "strings"

www.gvinci.com.br

Em informática, uma string é uma sequência de caracteres utilizada para a representação dos textos que aparecem ao usuário na interface gráfica exibida na tela, isto é, botões, menus, campos, ajuda, dicas, mensagens de erro, etc.

A tradução dos textos de interfaces gráficas, tais como softwares, sites e jogos, faz parte do processo de localização, isto é, da adaptação do produto a determinado mercado e, ao contrário do que possa parecer, é uma tarefa bastante complexa, quando não um verdadeiro pesadelo. Idealmente o tradutor deveria receber um treinamento no software que vai traduzir para entender seu funcionamento, mas, na prática, ele recebe uma lista de termos e frases fora de contexto e, na maioria das vezes, não tem acesso à interface nem a documentação de apoio, como manual, guia de estilo ou glossário, que possa ajudá-lo a fazer um bom trabalho.

A tradução das strings da interface do usuário pode ser executada com o auxílio de uma ferramenta de localização, como, por exemplo, o Poedit. Nesse caso, o tradutor receberá um arquivo com extensão “.po”. Para traduzi-lo, ele deverá baixar o programa Poedit. As ferramentas de localização de software funcionam da mesma forma que as de tradução, só que as regras de segmentação se aplicam às strings da interface em lugar de se aplicarem às frases. Está é a aparência do programa aberto com um .po:

Clique na imagem para aumentá-la

Na lista principal aparece tudo o que precisa ser traduzido, na coluna da esquerda o texto fonte; e na da direita, o texto meta. Na parte inferior, em "Texto fonte" aparece o original, que você deverá traduzir logo abaixo, na caixa "Tradução", basta digitar a tradução.

Atenção aos símbolos próprios como caracteres especiais para quebras de linha, ou para representar partes que entram automaticamente na frase e que não devem ser alteradas. Por exemplo, algo como: 

A conta %s não existe.

Deverá ser traduzido como:

La cuenta %s no existe.

Neste caso, esse %s deve ser mantido, pois quando a string aparecer na tela do aplicativo, o símbolo será substituído pelo nome da conta.

Quando não se dispõe de ferramenta de localização, o tradutor poderá receber um arquivo com strings em formato “chave=valor”. A chave, localizada à esquerda do sinal de igual ou dos dois pontos, é um texto invariável que representa os nomes dos atributos; e os valores, localizados à esquerda, são a parte variável que deverá ser traduzida e correspondem ao texto que será exibido na tela.

O formato da string geralmente segue o paradigma “chave=valor”, como mostram os seguintes exemplos:

copiaServico.erroAcessoBanco=Falha no acesso ao banco de dados.

“field.ItemDesc”:”Descrição do item”

Outro formato de arquivo que o tradutor pode receber é uma planilha, que geralmente apresenta as colunas: atributo, idioma de origem e idioma de destino, ou outras variações.

A seguir, relacionamos os principais problemas encontrados ao traduzir strings:

1)  O tamanho que a mensagem traduzida vai ocupar na interface de usuário. Ocasionalmente o tradutor deverá levar em conta o número de caracteres, já que muitas vezes o texto será exibido num espaço restrito, como, por exemplo, um botão, o que exige certa criatividade do tradutor.

2)  As diferenças culturais e os jargões especializados. É comum encontrar neologismos, como deletar, linkar, logar, setar; ou ainda, expressões metafóricas, como, por exemplo, handshaking, literalmente “aperto de mãos”, que remete ao fechamento de um acordo, mas que na informática é usado para indicar a “troca de sinais que autoriza a comunicação entre dois dispositivos”.

3)  As palavras e frases fora de contexto constituem um dos principais desafios, principalmente quando uma única palavra tem vários significados. Em ocasiões é simplesmente impossível saber a que se refere uma palavra isolada. Tomemos como exemplo a palavra “ordem”. Fora de contexto, não dá para saber se se trata de disposição (organização, fileira), de imposição (regulamento), de determinação (ordem legal); de documento (ordem de serviço, ordem de compra), de classe profissional (ordem dos advogados), de estado pacífico (manter a ordem), etc.

4)  Geralmente os tradutores não têm acesso à interface gráfica nem a material de apoio ou ao desenvolvedor do software, o que dificulta consideravelmente seu trabalho, pois, como foi dito anteriormente, o ideal seria que o tradutor pudesse acessar e testar a interface para entender como ela funciona. O material de apoio, como guia de estilo, manual de usuário e glossário, também é importante para garantir a consistência terminológica e o estilo.

Além dos problemas elencados acima, o tradutor precisa estar disposto a fazer algumas concessões estilísticas em nome da funcionalidade. As strings constituem uma linguagem ágil, enxuta e direta, o que se reflete na omissão de artigos, pronomes e verbos, o resultado é semelhante a uma linguagem robótica: “Conexão perdida, tente mais tarde”. O que não significa que o tradutor deva abrir mão da norma e aceitar construções esdrúxulas do tipo: “Usuários que é possível atribuir uma tarefa”, quando o correto seria “Usuários aos quais é possível atribuir uma tarefa”.

Deixo aqui meu agradecimento à colaboração de Bruno Fontes.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Resenha do livro Nós, de Yevgeny Zamyatin

Já aconteceu de você ler um livro há muito tempo e e desejar relê-lo, mas não conseguir lembrar-se do nome nem do autor? Pois foi o que aconteceu comigo com o livro em questão. A primeira vez que o li, eu tinha entre 12 e 13 anos, ou seja, isso foi entre 1986 e 1987, se não me falha a memória. Mesmo sem ter entender tudo literalmente, já que era uma leitura difícil para a minha idade, foi um daqueles livros que me marcou com sua prosa diferenciada e poética, e também com o enredo perturbador, daqueles que tira o leitor de sua zona de conforto.

Refiro-me a Nós, de Yevgeny Zamyatin (cujo nome é transliterado ao português como Eugene Zamiatin).

Primeiramente vou contar como aconteceu o déjà-vu... Como eu disse, fiquei com esse livro na memória, mas a única coisa que eu lembrava bem é que as personagens não tinham nome, e sim números. Além disso, eu sabia que o autor tinha um nome difícil, provavelmente russo. Parecia-me que tratava de autômatos, então achei que fosse Eu Robô, de Isaac Asimov, mas não... E assim fui procurando entre livros de robôs e ficção científica, e pesquisando na internet, sem sucesso.

Edição recente publicad pela Editora Aleph
Até que dias atrás, várias décadas depois, casualmente, ao navegar pelas publicações do Instagram, vi um post da Editora Aleph — que se destaca por publicar clássicos da literatura de ficção, repletos de robôs, espaçonaves e tudo o que faz a cabeça do público nerd. Figuram entre suas publicações autores como Philip K. Dick (Um Reflexo na Escuridão), William Gibson (Neuromancer), Isaac Asimov (Eu, Robô), Anthony Burgess (Laranja Mecânica), etc. — com a foto de uma capa de livro que chamou minha atenção, comecei a ler os comentários, e eis que deu aquele estalo: “não é possível!”, “será?”... Pois não é que se tratava do livro que eu procurava há tanto tempo?

Nem preciso falar que saí à caça da edição que havia lido de pequena, da Editora Anima, tradução do inglês de Lya Alverga Wyler, de 1983. Li uma versão em pdf que encontrei na internet, pois o preço do livro nos sebos é bastante salgado, já que se trata de uma edição esgotada para colecionadores.

Bom, agora que já falei do meu déjà-vu, vamos ao livro...


A versão que li e reli

Esta obra é considerada um romance distópico, uma distopia-mãe, inspiradora de outras obras importantes do gênero. Distopia é o contrário de utopia, ou seja, o contrário de uma sociedade ideal, uma organização social em que se vive em condições de insuportável opressão e controle. Assim, esta obra teria influenciado outras importantes obras do gênero, como 1984, de George Orwell (1948), e Admirável mundo novo, de Aldous Huxley (1930). Foi escrita em 1920 pelo escritor russo Yevgeny Zamyatin, e publicada originalmente em inglês, em Nova Iorque, em 1924, porque assim como a maioria dos intelectuais russos do final do século XIX, Zamyatin teve uma vida agitada, exposta ao perigo, a detenções, exílio, fuga, etc., primeiro foi encarcerado pelo regime czarista e, posteriormente, pelos bolcheviques. Em russo, Nós, só foi editado em 1952 e não na URSS, mas sim em Nova Iorque. Na URSS, Nós só viu a luz depois da Perestroika. Sendo assim, acredito que haja muito de suas experiências pessoais traduzidas nesta história.

A história se desenvolve no século XXX, na cidade de vidro e aço do Estado Único, uma sociedade aparentemente perfeita, em que todos formam uma unidade padronizada, extremamente regrada e “perfeita”. Os habitantes são números, não têm nomes, e sua vida se dá em função do Estado Único e do Bem-feitor, o qual promete a felicidade em troca da liberdade. A liberdade é vista como um mal que leva o homem ao crime, ao vício, ao extermínio. Por sua vez, a felicidade consiste em apagar toda a individualidade e viver guiado pela razão e pela exatidão matemática, em outras palavras, promove-se a desumanização. Os habitantes vestem uniformes, se alimentam à base de um derivado de nafta, vivem em apartamentos transparentes, de vidro, tutelados e vigiados pelo Estado Único, que controla todas as suas atividades diárias através das Tábuas dos Mandamentos Horários. Tudo é controlado, inclusive o sexo, que é visto como mero produto adquirido mediante cupons.

O protagonista, D-503, é um engenheiro, construtor do Integral, uma nave que levará a felicidade aos seres de outros planetas, ainda sujeitos à selvagem condição de liberdade, promovendo a integralização e a igualização de tudo o que existe. Sua missão é escrever para os leitores do passado um diário onde ele registra a forma de vida e o pensamento que sustentam essa sociedade perfeita. Entretanto, ele não esperava que tal diário testemunhasse a própria transformação.

Para não estragar a experiência da leitura, vou dizer apenas que a transformação se inicia quando o nosso protagonista conhece o amor.

“— Detesto o nevoeiro. Tenho medo do nevoeiro.
— Significa isso que gostas dele. Tens medo dele por ele ser mais forte do que
tu; odeia-lo porque tens medo dele; tens medo dele porque não podes deixar de te
submeter a ele. Porque só podemos amar o indomável.”

Ah, sim, mais uma coisa que vale a pena mencionar, Zamyatin fez parte de um grupo literário russo chamado Irmãos Serapion (que tomaram seu nome de uma personagem de E.T.A. Hoffmann. Este último, aliás, é autor de uma das melhores obras — em minha opinião — da literatura fantástica, O homem da areia. Aliás, esta observação me levou a reler esta obra, a leitura é de fato um vício...), que desde o início apoiaram a Revolução e que lutaram nas fileiras do Exército Vermelho. Desde o primeiro momento, reivindicaram o seu direito de escrever com liberdade. Essa tendência se manifestou através da experimentação formal na literatura, com rupturas na linguagem, sintaxe e incorporação de novos vocábulos precedentes do folclore russo. Zamiatin foi mentor dessa tendência, por isso as metáforas e os recursos de linguagem são muito inovadores, além disso, a narrativa é muito psicológica e onírica, o que cria uma atmosfera de sonho e delírio.

Referências: Wikipédia

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Expressões temporais com “desde”, “hace” e “desde hace”


Neste post, vamos falar de algumas expressões temporais que costumam levantar dúvidas nos lusófonos. Ambas são usadas somente em construções de passado:

Hace

Corresponde ao nosso “faz” ou “há”, e assim como em português, é impessoal e não se flexiona, isto é, mantêm-se invariável. É usado para referir-se a um fato passado que já foi concluído.

¿Cuántos años hace que se publicó el Quijote? = Faz/há quantos anos que o Quixote foi publicado?
Ha salido de aquí hace dos horas = Saiu daqui faz/há duas horas.
Hace cien años, Einsten presentó en Berlín la Teoría de la Relatividad = Faz/há cem anos, Einsten apresentou em Berlim a Teoria da Relatividade.
Estudié portugués hace tres años = Estudei português faz/há três anos.

Observações:
a)    Assim como em português, é erro de redundância adicionar o advérbio atrás (Hace cien años atrás).
b)    Assim como em português, se o verbo principal estiver em pretérito imperfeito o impessoal também se usará nesse tempo (Hacía meses que no nevaba).

Desde
Refere-se ao momento em que o fato teve início.

Desde que te conocí, me siento más feliz = Desde que conheci você, sinto-me mais feliz.
La economía británica sobrevivió al referéndum de salida de la UE en 2016, pero está perdiendo terreno desde entonces frente a otros países. = A economia britânica sobreviveu ao referendum de saída da UE em 2016, mas está perdendo terreno desde então frente a outros países.
Esta ruta está en obras desde el año pasado = Esta Rodovia está em obras desde o ano passado.
Trabaja en la empresa desde octubre = Trabalha na empresa desde outubro.

Desde hace
Refere-se a um fato que se iniciou no passado e que dura até o momento.

Desde hace dos días que no tenemos noticias suyas. = Faz/há dois dias que não temos notícias suas.
Están casados desde hace treinta años. = São casados faz/há trinta anos.
Estudio alemán desde hace más de diez años. = Estudo alemão faz/há mais de dez anos.

Observação: Assim como ocorre com “hace”, se o verbo principal estiver conjugado em pretérito imperfeito, o impessoal deverá concordar com ele.

La policía investigaba la red de tráfico de obras de arte falsas desde hacía casi dos años. = A polícia investigava a rede de tráfico de obras de arte falsas fazia/havia quase dos anos.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Diferenças entre os lares do Brasil e da Espanha


Hoje vamos falar das casas dos espanhóis, mais especificamente da capital, Madri, e seus arredores. São minhas observações pessoais, por isso já peço desculpas antecipadamente, pois não dá para generalizar. Certamente o que digo aqui não se aplica a todas as regiões nem a todos os lares, trata-se apenas a minha experiência pessoal, mas não deixa de ser instrutivo.



Particularmente, eu gosto bastante das construções mais antigas porque lembram minha infância. A foto acima foi tirada no bairro La Elipa, onde morei quando era pequena (inclusive já brinquei nesse emblemático dragão). Os edifícios desse bairro apresentam a tipologia correspondente às construções de "protección oficial" — ou seja, de preço limitado parcialmente subvencionado pela administração pública — do período de 1960-1970. 

Constituem blocos de uma altura limitada a 4 ou 5 andares com fachada de tijolo à vista e sacada com guarda corpo de ferro e os típicos toldos verdes nas janelas que ajudam a sobreviver ao abrasador verão madrilenho. Uma coisa curiosa é que esses apartamentos mais antigos não tinham elevador, mas como na Espanha a população idosa vem aumentando a cada ano, recentemente têm sido construído elevadores externos ao prédio, com entrada pela sacada, para facilitar a mobilidade dos moradores. Outro problema desses prédios mais antigos é que a maioria não tem garagens, consequentemente há uma disputa constante pelas vagas de estacionamento na rua e muitas pessoas acabam estacionando de forma irregular.

Cabe mencionar que lá então não se vê esse mar de grades, cercas elétricas e concertinas que vemos por aqui, esse tipo de preocupação se restringe mais aos bairros horizontais compostos por casas e situados nos arredores de Madri. Nos últimos três anos, estivemos morando em Belém do Pará, e uma coisa que me incomodava bastante era a quantidade absurda de grades e cercas nas casas, que as deixava com aparência de presídio, mas infelizmente o medo da violência faz parte da nossa realidade.

Para enfrentar o inverno, que é bastante rigoroso, a maioria dos apartamentos é dotada de calefatores ou radiadores a gás de parede, como o que aparece na foto. Nos banheiros, usam-se radiadores ou estufas de resistência portáteis para evitar o choque térmico ao sair do banho quente.

Como eu disse, a maioria dos madrilenhos vive em apartamentos, e aqueles que preferem morar numa casa, precisam mudar-se para urbanizações nos arredores de Madri, ou na região serrana. Isso proporciona qualidade de vida, mas tem um custo alto, a perda de tempo nos engarrafamentos em horários de pico nos deslocamentos entre a casa e o trabalho e o aumento de despesas com aquecimento, pois o frio extremo da região serrana exige um maior investimento em pisos aquecidos, lareiras, e isolamento térmico.

Mas voltando ao banheiro, na Espanha não se joga o papel higiênico nas papeleiras, somente em banheiros públicos, mas não nos residenciais.  Lá os encanamentos são preparados para receber o papel e não entopem como aqui, por isso o papel é jogado no vaso. Por tanto, se você vir uma papeleira no banheiro, saiba que ela serve para jogar qualquer tipo de lixo, menos papel higiênico. O chuveiro também é diferente do nosso, eles chamam de ducha, não é fixo, é dotado de uma mangueira e fica pendurado num gancho, de onde é possível retirá-lo e usá-lo como os nossos chuveirinhos.

Os banheiros de antigamente sempre tinham a banheira com a ducha, mas hoje em dia é comum usar somente o chuveiro com box, por uma questão de sustentabilidade, já que a banheira consome muita água.  

Agora vamos passar para a cozinha. Na Espanha, praticamente ninguém lava a louça à mão, isso é feito pelo lava-louças, é um utensílio comum, assim como a geladeira, o preço dos eletrodomésticos em geral é mais acessível. Pessoalmente, sempre tive curiosidade de saber o que é ambientalmente mais sustentável: lavar a louça à mão ou na máquina? Na Espanha há muita escassez de água. 

Eu nunca vi um botijão de gás ou mesmo um fogão a gás por lá, as cozinhas são equipadas com fogão elétrico de mesa coberto com vitrocerâmica. Outra coisa que você não vai encontrar por lá é a nossa típica panela de pressão com a válvula com pino. Quando veio ao Brasil, o meu cunhado olhava para a minha panela de pressão como se se tratasse de uma bomba (o botijão de gás então... uma ogiva nuclear!). Realmente a nossa cozinha parece muito rudimentar e perigosa perto da deles, mas também é uma questão de costume e cultura, pouco a pouco nos adaptaremos às novas tendências.




Como os cômodos dos apartamentos são bastante reduzidos, e atualmente os jovens demoram bastante em sair de casa devido ao alto índice de desemprego ou ao alto custo de vida, o espaço precisa ser muito bem aproveitado. Assim, é comum que, ao cair da noite, ocorra uma verdadeira transformação nos ambientes e uma sala de estar vire um dormitório, a mesa vire um aparador, e assim por diante. Há sofá-cama, armário-cama, mesa-cama, mesas que duplicam de tamanho, aparadores que viram mesas, tudo se adapta e se transforma, um verdadeiro exemplo de criatividade e funcionalidade.



Outra coisa curiosa é que não se passa pano no chão para limpar a casa. Lá não se usa rodo e pano, mas sim fregona, o esfregão com balde e espremedor. Ah, sim, um costume extremamente louvável é o de separar o lixo reciclável do orgânico, todos fazem isso. E ninguém joga restos de remédio no lixo caseiro, as pessoas os entregam nos pontos de coleta que ficam nas farmácias. O mesmo ocorre com as pilhas e outros lixos específicos. Também há pontos de coleta de eletrodomésticos e roupas e calçados para doação.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

A experiência de ler a mesma obra em duas línguas


Hoje vou falar da minha experiência de ler a mesma obra, consecutivamente, em duas línguas, espanhol e português (para aquele possa considerar “obsessivo”, digo que é uma atitude pragmática, tendo em conta minha profissão).

É óbvio que o livro me cativou, do contrário teria sido um martírio. Refiro-me ao livro 
L´elegance Du Herisson, de Muryel Barbery. Primeiro li a versão em espanhol, La elegancia del erizo, tradução de Isabel González-Gallarza e, a seguir, li a versão em português A elegância do ouriço, tradução de Rosa Freire d´Aguiar, publicada pela Companhia das Letras.

O que me levou a lê-lo em português depois de tê-lo feito em espanhol?

A curiosidade. Eu queria saber quais seriam minhas sensações e percepções, se isso mudaria alguma coisa.

Como a língua é a expressão máxima de nossa cultura e traduz toda a nossa visão de mundo, achei que seria interessante ler o livro pelos olhos de uma espanhola e, em seguida, pelos olhos de uma brasileira. Mas minha sensação ao lê-lo em espanhol foi a de certo estranhamento ou distância, senti-me na pele de uma brasileira lendo uma tradução em espanhol a partir do francês... o que é natural, já que moro no Brasil há mais de 35 anos, desde que eu tinha 8 ou 9 anos, ou seja, cresci aqui, então a minha segunda língua tomou o lugar da primeira.

O português é natural e inconsciente para mim, meu pensamento e meus sonhos são em português, meu vocabulário é mais rico, meus recursos linguísticos também, a liguagem figurada, a gíria, os tecnicismos, etc. Por tanto a principal diferença que senti foi a familiaridade com a versão em português. Enquanto em espanhol algumas referências e trocadilhos me escapavam e eu tinha que recorrer à pesquisa; em português, assimilava-os de forma natural.

Este não é um livro fácil, trata-se de um romance filosófico e psicológico, em que há poucos acontecimentos factuais, a história se desenvolve mediante a intercalação entre os pensamentos de uma porteira de meia-idade de um condomínio de classe alta e os de uma menina de 12 anos que mora lá. Ambas são extremamente inteligentes e críticas e se sentem deslocadas e sós. Na verdade elas fazem questão de se esconder do resto do mundo. Basicamente trata-se de pensamentos e reflexões profundas, registrados de forma primorosa, acerca de temas variados, como família, filosofia, sociedade, amizade, arte e amor. Tudo isso temperado com um humor mordaz, irônico e muito aguçado. Além disso, há referência a inúmeros ícones culturais e artísticos, de teorias filosóficas a cinema japonês, mangás, pintura, música, etc., o que enriquece muito a experiência do leitor.

Como gosto de captar os mínimos detalhes, precisei recorrer por diversas vezes ao computador para pesquisar sobre comida japonesa, cinema, música, pintura e teorias filosóficas. Considero tudo isso importante para me colocar na pele da personagem, o que faz com que a história ganhe mais sabor.

Além dos aspectos pertinentes às duas línguas, entrou em jogo minha perspectiva tradutória. Mesmo sem saber francês, posso afirmar que ambas as traduções foram muito bem trabalhadas, pois não identifiquei nenhuma discrepância considerável que pudesse indicar algum desvio de interpretação.

No entanto, para não dizer que não encontrei nada digno de menção, eis algo que chamou minha atenção. Trata-se do trecho em que Paloma, a menina de 12 anos, se refere à prima. Em português: “Minha prima Sophie é trissômica. Não sou do gênero de me extasiar com os trissômomicos como é de bom-tom se fazer na minha família”; na versão em espanhol: “Mi prima Sophie está aquejada de síndrome de Down. No va conmigo extasiarme ante los mongólicos como piensa mi familia que está bien hacer”, e, no original em francês: “Ma cousine Sophie est trisomique. Je ne suis pas du genre à m’extasier devant les trisomiques comme il est de bon ton de le faire dans ma famille”.

Nesse pequeno trecho, é possível comprovar o peso de uma escolha e a difícil questão da fidelidade. A tradutora da versão em português foi fiel à forma, manteve o regitro utilizando o termo próprio da medicina genética tal qual no original; enquanto a tradutora da versão em espanhol optou por um termo mais popular “síndrome de Down” e, a seguir, um termo com alta carga pejorativa “mongólicos”.

Embora seja uma escolha bem ousada, não deixa de ser condizente com a crueza de Paloma, que, em muitos momentos, mostra-se inflexível e expressa seus pensamentos sem melindres, o que me leva a pensar que a tradutora pretendeu ser fiel à personagem. No entanto, o ideal é que o tradutor seja o mais objetivo possível, evitando escolhas subjetivas e julgamentos de valor que possam distorcer o original.



domingo, 28 de outubro de 2018

A palavra de hoje é...

atavismo



substantivo masculino
1 Rubrica: biologia.
reaparição em um descendente de caracteres de um ascendente remoto e que permaneceram latentes por várias gerações
2 Derivação: sentido figurado.
hereditariedade biológica de características psicológicas, intelectuais, comportamentais
Ex.: a arte de cozinhar lhe chegara por a. 
3 Derivação: sentido figurado.
retorno a um estilo, uso, ponto de vista, enfoque etc.
Ex.: um a. literário 

Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss 2009




quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Coisas irritantes em matéria de língua




E aí, galerinha, beleza? Se você ainda não está seguindo o blog, não tem problema, não. E também não precisa deixar seu “joinha” nem compartilhar o texto para ajudar, basta passar por aqui de vez em quando, já está de bom tamanho.

Como não dormi bem esta noite, resolvi destilar um pouquinho da minha peçonha falando de algumas coisas irritantes em termos linguísticos, não o são todas na mesma intensidade, cada uma o é à sua maneira.

Uma coisa irritante, bem irritante mesmo, tipo grau 11 numa escala de 0 a 10, é esse papo de que a gramática é um instrumento de opressão e de poder usado para subjugar o povo. “Pelamadrugada”... é tudo o contrário; primeiro, a gramática não é o fim, não se ensina gramática simplesmente para escrever bem, mas para ter acesso à beleza da língua; segundo, a gramática e o domínio da língua nos tornam pessoas mais autônomas, capazes de expressar-nos com clareza, de defender e refutar ideias; terceiro, quem defende essa teoria o faz num português impecável, quanta hipocrisia, não? Parei por aqui.

Outra coisa bem irritante na escala da irritabilidade é essa tendência de impor a linguagem politicamente correta, muitas vezes me parece uma atitude extremamente cínica, que em lugar de promover justiça faz exatamente o contrário, mascara a realidade e provoca ojeriza. No Brasil, por exemplo, a situação melhorou bastante, agora não há mais favelas, mas sim comunidades; não há mais pobres, mas sim menos favorecidos; não há mais negros, mas sim afrodescendentes; não há mais viciados, mas sim dependentes químicos; não há mais aborto, mas sim interrupção da gravidez; não há mais mentiras, mas sim inverdades, e por aí vai... É uma bela forma de camuflar a realidade. As palavras ofendem? A realidade também.

Não me entendam mal, uma coisa é dizer idoso em lugar de velho, educação nunca fez mal a ninguém, mas há um certo exagero, esses dias custei a entender quando meu primo disse que tinha um colega invidente, a ficha demorou a cair, tratava-se de um cego. Ops, foi mal. 

É muito irritante também esse sexismo na linguagem, essa coisa enfadonha de professores e professoras, alunos e alunas, brasileiros e brasileiras, trabalhadores e trabalhadoras, ou pior ainda, transgredir a norma inserindo um símbolo de arroba (alun@s) ou um x (alunxs) para dizer que o adjetivo se refere aos dois gêneros. Gênero é uma categoria gramatical, sexo é outra coisa. Isso lembra aquele caso cômico, se não fosse trágico, quando alguém que fez referência aos homo sapiens e às mulheres sapiens em seu discurso populista.

Tem mais? Tem sim... Essas fakes em matéria de linguagem, que são repetidos incansavelmente: “não se deve usar dupla negativa”, “não se diz risco de morte e sim risco de vida”, “não se usa vírgula antes de etc.”, “não se deve usar a expressão espaço de tempo”...  Quanta besteira! A língua não segue a mesma lógica da matemática nem de outras disciplinas, ela tem seus próprios recursos e mecanismos de coerência.

Também é irritante essa ideia de que corrigir o outro é preconceito linguístico. Pior é deixar a pessoa sair falando feito cavernícola “O chefe pediu pra mim fazer um relatório”. É obvio que você não vai chegar feito um árbitro de futebol, apitando e mostrando o cartão vermelho, mas você pode, sutilmente, mostrar o uso correto “ah, ele pediu para eu fazer um também”. Se houver uma relação de confiança, fale francamente, em privado, garanto que seu amigo ficará agradecido. Insultante é fingir-se de morto.

Pronto, por hoje é só. Estou bem mais leve!


quinta-feira, 5 de julho de 2018

El increíble viaje del faquir que se quedó atrapado en un armario de Ikea

Me he animado a escribir esta reseña para despertarles la curiosidad hacia un libro que he leído recientemente y que me parece que vale la pena comentarlo. Como lo he leído en español, les contaré mis impresiones en este mismo idioma. No se preocupen, que la historia no la cuento; no soy una aguafiestas.

El libro al que me refiero es El increíble viaje del faquir que se quedó atrapado en un armario de Ikea. El título, por sí solo, ya basta para despertar la curiosidad. ¿Cómo llegué a él? Pues por recomendación de mi amiga Lineimar Martins, traductora francobrasileña. Yo le recomendé un libro, y ella, a cambio, me recomendó este. Por cierto, si a alguien le apetece hacerme alguna recomendación literaria puede dejar un comentario al final de este artículo; se lo agradezco de antemano.

A ver, ¿qué puedo decir de la trama sin destriparla? Para empezar, me llamó la atención lo que leí previamente —me gusta situarme antes de sumergirme en un libro— acerca del autor y de la novela. En cuanto al autor, Romain Puértolas, me enteré de que es francés de origen español y, pese a su juventud (cuarentañero), acumula una experiencia laboral harto inusitada: DJ, profesor de idiomas en Barcelona, auxiliar y coordinador de vuelo en el aeropuerto de El Prat (Barcelona), trabajador de Aena en Madrid, encargado del mantenimiento de máquinas tragaperras en Brighton, policía de fronteras cuando regresó a Francia. Pues como dicen que el arte imita la vida, y viceversa, me imagino que sus múltiples vivencias le han servido de telón de fondo para engendrar una historia tan original y creativa. También me ayudaron a encender la chispa de la curiosidad los comentarios sobre el éxito de esta obra, que es su debut literario, entre los cuales está este: «… con más burbujas que la Coca-Cola», es decir, divertida como el cosquilleo que produce la gaseosa.

Sí, es cierto que la historia es muy divertida, y el efecto cómico se debe a las situaciones improbables e imprevistas, a las peculiaridades culturales, a los juegos de palabras con los nombres y sus debidas pronunciaciones. Pero la comicidad funciona como pretexto para tratar un tema trágico y muy presente en la actualidad: el drama de los inmigrantes ilegales.

Dhjamal Mekhan Dooyeghas (pronúnciese «Ya me quedan dos leguas») es un faquir indio pícaro que se gana la vida embaucando a los demás con sus artimañas. La aventura tiene inicio cuando viaja a París para comprarse una cama de clavos en Ikea, modelo Misklavospikån, para lo cual lleva tan solo un billete falso de cien euros. Entonces tiene lugar un increíble periplo que jamás hubiera soñado y que, más que un recorrido por varios países, se convierte en una jornada hacia dentro de sí mismo; y cada aventura, en un paso hacia un nuevo yo.

* Un agradecimiento especial a mi querida amiga Manuela Mangas Enrique, que me ayudó a pulir esta reseña.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Entrevista a la correctora Manuela Mangas Enrique

Manuela Mangas Enrique es técnica en corrección y redacción por la Universidad de Salamanca (2010). Desde 2009 trabaja como asesora lingüística y correctora ortotipográfica y de estilo de textos en español, para empresas y particulares. Está especializada en la corrección de textos literarios: poesía, cuento infantil, relato, novela, ensayo… Además, corrige textos publicitarios, trabajos académicos, entrevistas y artículos, contenidos para páginas web, presentaciones, etcétera. En 2011 creó el blog sobre lengua española Con propósito de enmienda. En los artículos del blog explica las normas del español con un lenguaje claro e ilustrado con numerosos ejemplos. Es socia profesional de UniCo (Unión de Correctores de España) desde 2012. Ha escrito varios artículos sobre corrección en la revista Deleátur, de UniCo. Necesita estar en contacto con la naturaleza, y vivir en el campo le proporciona la tranquilidad y el silencio que necesita para desempeñar su oficio.

Antes de todo, muchísimas gracias por aceptar concedernos la entrevista. Dudamos mucho que ser correctora formara parte de tus sueños de infancia, ya que la mayor parte de los niños le tiene repelús a la gramática. ¿Cómo llegaste a ser correctora? Cuéntanos un poco tu trayectoria.

Manuela. De niña me encantaba leer y escribir, aunque entonces no sabía que existían los correctores de textos profesionales. Disfrutaba con los dictados, las redacciones y las clases de literatura. Siempre me ha apasionado la lengua y sus laberintos y la he estudiado de forma autodidacta. En 2002 me apunté a mi primer taller literario. Como se me daba bien la ortografía y la gramática, mis compañeros y amigos me pedían que revisara sus escritos. Poco a poco, mi afición a las letras fue dando paso a mi oficio de correctora. Me formé en corrección y redacción, fui reuniendo los diccionarios y manuales que necesitaba para estudiar y ejercer el oficio, hice bastantes prácticas en una revista, creé el blog y después empecé a trabajar corrigiendo textos. Y sigo estudiando nuestra lengua, porque está viva y debemos actualizarnos. Nunca se deja de aprender.

Ya que mencionamos el «repelús», en tu opinión, ¿a qué se debe esa aversión que los estudiantes y los hablantes en general sienten hacia la gramática?

Manuela. Quizá se deba al esfuerzo que les supone estudiarla porque les resulta complicada. Con frecuencia, los libros de gramática tienen un léxico de difícil comprensión. Suele ocurrir que desde pequeños no le encontramos sentido; por eso la aprendemos de memoria, sin entenderla. La gramática no es sencilla, pero puede explicarse de una forma más comprensible para que los estudiantes no la teman ni la rechacen.

Desde tu posición como correctora profesional y como hablante, explícanos para qué sirven las normas y el estilo. ¿No sería más fácil si cada uno se expresara a su manera?

Manuela. Las normas ortográficas sirven para que los hispanohablantes nos entendamos, aunque seamos de distintos países. En cada país existen unos criterios fonéticos y se habla de un modo diferente; sin embargo, la ortografía debe ser la misma para que no haya problemas de comprensión ni comunicación entre nosotros. El estilo, propio de cada persona, es la forma en la que nos expresamos en determinados contextos. Cada tipo de texto requiere un registro distinto. No es lo mismo escribir una carta a un amigo, donde se emplea un lenguaje coloquial, que elaborar un artículo académico o un texto literario. Pero todos los escritos deben ser claros y guardar la coherencia interna, también con respecto a unas formas convencionales de usar la lengua, que nos vienen dadas socialmente; de lo contrario, el destinatario puede tener problemas para entenderlos como es debido. Cada cual ha de expresarse a su manera, según su competencia y sus preferencias, pero guardando unas reglas, acordes con el tipo de texto en cuestión y el público al que va dirigido. Además, el lenguaje oral y el escrito son registros distintos, con unas normas de estilo propias y una estructura determinada, y hay que diferenciarlos.

También existen los manuales de estilo, que usan las editoriales, periódicos o cualquier institución para que sus textos cumplan unos requisitos. Estos libros de estilo recogen unas normas que reflejan unas preferencias con respecto a los usos y que deben aplicarse en los textos para unificar criterios.

Campo de amapolas en Velliza (Valladolid, Castilla y León)

Perdona si te apretamos un poco con preguntas más polémicas, pero ¿qué dirías a quienes afirman que la lengua culta es un instrumento de poder y de segregación que sirve para marcar las diferencias de clases sociales?

Manuela. En mi opinión, la lengua sí puede ser un instrumento de poder. Los discursos se relacionan con el control sutil que se ejerce sobre determinados grupos de personas para persuadirlas. La sociedad y el entorno tienen un papel importante en la adquisición de la cultura, aunque creo que la lengua culta ha dejado de ser patrimonio exclusivo de una clase social. Hace unas décadas, en España muchas personas no tenían la posibilidad de comprar un libro ni de escuchar la radio, con lo cual tampoco tenían acceso a la cultura ni podían mejorar o ampliar sus capacidades expresivas en muchos ámbitos. Incluso apenas llegaban a aprender a leer y escribir, porque debían trabajar desde niños y estudiaban poco tiempo en la escuela. Hoy en día, en cambio, hay numerosas vías de aprendizaje que antes eran impensables. La cultura se ha generalizado y muchas de las barreras que había antaño ya no existen.
Vivimos en una época en la que los valores se han relativizado en bastantes contextos. La manera de hablar y escribir no tiene una importancia tan relevante como pudo tener en el pasado, pero creo que la forma en que usamos la lengua sigue teniendo connotaciones sociales y culturales. Así pues, usar bien nuestra lengua es un valor que conviene cultivar para poder progresar socialmente.

Ahora, para que te relajes, una pregunta más agradable: ¿qué es lo que más te gusta de tu trabajo y qué clase de textos prefieres corregir?

Manuela. En este oficio se aprende sobre bastantes temas, y eso es una suerte porque permite adquirir cultura. Me gusta ayudar a los autores para que sus textos luzcan pulidos, comprobar que valoran mi trabajo y ver que están contentos con el resultado.
Prefiero corregir literatura; en especial, poesía, que me apasiona. También disfruto corrigiendo cuentos infantiles.

¿Cuáles son las cualidades indispensables para ser un buen corrector?

Manuela. Desde mi punto de vista, un buen corrector no debe dar nada por supuesto, porque casi nada es descabellado en gramática. Debe dudar, cuestionar el texto, pues permite detectar el error y lleva a consultar las obras de referencia. Debe ser detallista y saber en qué fuentes consultar sus dudas. El oficio de corrector requiere estudio, reflexión y concentración. También, tener un ojo perito y riguroso para que no se le escapen los errores, un gran conocimiento de la lengua y la tipografía españolas, además de cultura general, y ser flexible a la hora de aplicar las normas dependiendo del uso y del contexto. Asimismo, es necesario que conozca cómo funciona el proceso editorial, que tenga la capacidad de identificar las necesidades específicas de las personas con las que trabaja y que sea paciente.
Ermita de Nuestra Señora de los Perales (Velliza, Valladolid)

¿Corriges solamente originales o también traducciones? ¿Qué supone un desafío mayor para ti y por qué?

Manuela. Corrijo originales y traducciones, sobre todo de cuentos infantiles, que son deliciosos. Los textos originales, que me llegan directamente del autor sin haber pasado por ningún filtro, necesitan una intervención, tanto ortotipográfica como de estilo, más profunda que las traducciones. Para mí, el trabajo de limpiar o adecuar los textos originales es bastante más costoso que corregir las traducciones, aunque estas también pueden presentar problemas específicos a veces complicados.

En cuanto a la tecnología, sobre todo a los correctores automáticos, ¿los consideras aliados o enemigos?

Manuela. El corrector automático no es el enemigo, puede facilitar el trabajo, pero nunca podrá reemplazar a la figura del corrector profesional. Las máquinas no son capaces de detectar muchos errores, que solo un corrector humano puede ver. Hoy en día, los ordenadores tienen programas que corrigen un poco la ortografía, pero siguen teniendo importantes problemas para distinguir, por ejemplo, las palabras homófonas (las que tienen el mismo sonido pero distinto significado), como vaya/valla/baya, haya/halla/aya, echo/hecho; o las palabras que se escriben con tilde diacrítica, como tu/tú, si/sí, que/qué, como/cómo. Tampoco ofrecen mucha ayuda sobre dónde es correcto poner una coma, un punto, dos puntos, unas comillas o una raya. Y, por supuesto, ninguna máquina es capaz de corregir el estilo de forma global ni contextualizada, ni adecuar un texto a las necesidades expresivas y comunicativas de sus usuarios.

Aquí en Brasil, y supongo que en España también, la publicidad emplea un lenguaje de estilo muy informal, familiar, con muchos neologismos y extranjerismos e incluso con transgresiones a la norma. ¿Qué opinas al respecto?

Manuela. El lenguaje publicitario tiene sus propios rasgos lingüísticos para que este tipo de comunicación sea efectiva. Los textos publicitarios buscan llamar la atención del público de una forma original o sorprendente para atraerlo a determinado producto. Para lograr esto, suele sintetizar los conceptos, emplear un lenguaje informal, usar extranjerismos de moda, figuras retóricas, expresiones populares... Sí, puede que también se aparte de la gramática normativa o rompa alguna regla ortográfica. No obstante, para que la publicidad tenga credibilidad deben respetarse ciertas normas básicas que regulan la comunicación, porque si no se corre el riesgo de que el público objetivo no se entere de la información que se le ofrece. Es admisible que este tipo de lenguaje se salte determinadas normas, siempre que los responsables del texto sepan que se las están saltando y por qué.

En tu opinión, ¿cuál es el límite de intervención del corrector en el texto?

Manuela. Depende del tipo de corrección que le encarguen, de las propias necesidades del texto y de lo que haya pactado con el cliente. Esto hay que tenerlo claro desde el principio, ya que los límites pueden ser dudosos. En la corrección de estilo, el corrector siempre ha de respetar, en la medida de lo posible, la voz del autor y no debe modificar el contenido del texto sin su consentimiento. Nunca corregirá imponiendo su gusto, sino que velará por la aplicación adecuada de las convenciones y usos generales del idioma con correcciones necesarias y justificables, teniendo en cuenta el género del texto y el lector al que va destinado. Puede ofrecer alternativas al autor, para que el texto resulte más comprensible o elegante, con propuestas, no con correcciones directas, a no ser que cuente con el consentimiento del autor. El corrector ha de mejorar el texto hasta los límites que se hayan acordado o hasta donde sea razonable en cada momento, pero no modificar lo que es correcto o adecuado si no hay una razón para hacerlo. Si el texto en cuestión tiene problemas importantes generalizados en su redacción o en la disposición de sus contenidos, ya no se trataría de un trabajo de corrección, sino de reescritura, o incluso de coautoría. Esta tarea puede llevarla a cabo el corrector si se la encargan y si se dan las circunstancias para asumirla, comenzando por la propia capacidad del corrector; por eso debe estar bien definida para evitar malentendidos.

Manuela, muchas gracias por tu disposición. Te deseamos mucho éxito y, para terminar, te pedimos que nos dejes cinco claves para escribir mejor.

Encantada, Diana. Gracias a ti por contar conmigo.

Para escribir bien, antes hay que aprender a leer con atención, comprendiendo y analizando lo que se lee. Es buena idea tomar distancia del texto, dejarlo reposar y después releerlo varias veces para poder detectar los errores. Hay que asegurarse de que los términos se manejan con propiedad; por ejemplo, usar el verbo o el adjetivo preciso en cada contexto, que aporte los matices necesarios. No abusar de los adjetivos, pues recargan el texto en exceso. En general, no repetir palabras significativas, expresiones ni ideas. Aprender a utilizar correctamente los gerundios o limitar mucho su uso. Evitar la mayor parte de los adverbios que terminan en -mente (son palabras demasiado largas y propensas a la rima). Tener cuidado con el orden de los elementos en las oraciones para que puedan entenderse con claridad. También, con las cacofonías (sonidos desagradables que resultan de la mala combinación de las palabras), porque producen ecos e impiden al lector centrarse en el texto. Eliminar las muletillas, las frases hechas y los lugares comunes, ya que se asocian con la falta de creatividad narrativa. Uy, ya he dicho más de cinco…

Blog de Manuela Mangas Enrique: Con propósito de enmienda
Página web: manuelamangas.com
Correo electrónico: manuelamangas@gmail.com