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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Distinção entre os verbos “crear” e “criar” em espanhol

Diferentemente do português que têm somente o verbo criar, o espanhol tem dois verbos:  “crear” e “criar”, que apesar de compartilharem a mesma origem, ‘creare’ (engendrar, fazer, produzir, nascer). Por sua vez, esse verbo procede do grego ‘kepao’ (misturar, fazer um composto). Em sânscrito, temos ‘kre’ (fazer). Desse mesma origem, derivaram duas ações similares: ‘crear’ (inventar a partir do nada ou com uma grande transformação) e ‘criar’ (manter, nutrir, educar, cuidar um ser vivo).

Da mesma forma, também existem dois substantivos diferentes “creación” (obra de engenho, arte ou artesanato, produzida a partir do nada) e “cría/crianza” (ação e efeito de cuidar uma criança ou um animal). Para plantas, prefere-se o verbo “cultivar”.
O surgimento da forma “crear” se deu por eruditismo.

Vejamos alguns exemplos de uso dos dois verbos e os respectivos substantivos:

Crear / creación
Dios creó el mundo en siete días.
Investigadores crearon una tecnología para poder "hablar" por celular en silencio.
¿Has logrado crear una cuenta en Facebook?
Estoy haciendo un curso para crear páginas de Internet.
La creación literaria es un fenómeno que se produce en todas las culturas.

Criar / cría, crianza
Hoy en día se necesita mucha valentía para criar a los hijos.
La crianza de ganado caprino representa una actividad principal e importante fuente de alimentos.
La crianza de los hijos es la acción de promover y brindar soporte.
He comprado un libro sobre la cría de gallinas.

La crianza de los hijos es una de las tareas más difíciles y reconfortantes del mundo

Para encerrar, uma frase em que aparecem as duas formas verbais e um substantivo:


Estamos participando en un seminario para criar peces ornamentales, luego crearemos nuestro propio criadero.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Situação do espanhol na atualidade

O espanhol e seus falantes em cifras

  • Em 2015, quase 470 milhões de pessoas tem o espanhol como língua materna (6,7% da população mundial). Por sua vez, o grupo de usuários potenciais do espanhol no mundo (cifra que aglutina o grupo de domínio nativo, o grupo de competência limitada e o grupo de aprendizes de língua estrangeira) se aproxima de 559 milhões.

  • espanhol é a segunda língua materna do mundo por número de falantes, atrás do chinês mandarim, e também a segunda língua num cômputo global de falantes (domínio nativo + competência limitada + estudantes de espanhol).

  • As previsões estimam que em 2030 os hispanofalantes corresponderão a 7,5% da população mundial. Por sua vez, essas previsões também prognosticam que, em três ou quatro gerações, 10% da população mundial se entenderá em espanhol.

  • Compartilhar o espanhol aumenta em 290% o comércio bilateral entre os países hispanofalantes.

  • Em 2014, 6,7% da população mundial era hispanofalante (um total de quase 470 milhões de pessoas com domínio nativo do espanhol), porcentagem que supera a que corresponde ao russo (2,2%), ao francês (1,1%) e ao alemão (1,1%). As previsões estimam que em 2030 os hispanofalantes corresponderão a 7,5% da população mundial.

  • 7,9 % dos usuários de Internet se comunicam em espanhol, onde é a terceira língua mais utilizada. O uso do espanhol na Rede experimentou um crescimento de 1.123 % entre os anos 2000 e 2013. O espanhol é a segunda língua mais importante da Wikipédia por número de visitas.

  • Mais de 21 milhões de alunos estudam espanhol como língua estrangeira, com Estados Unidos, Brasil e França nas primeiras posições em número de estudantes de ELE. Nos Estados Unidos, o número de universitários matriculados em cursos de espanhol supera o número total de alunos matriculados em cursos de outras línguas.

  • Mais de 41 milhões de norte-americanos têm um domínio nativo do espanhol, embora a população hispana dos Estados Unidos se aproxime atualmente a 53 milhões de pessoas.

  • Em 2050 Estados Unidos será o primeiro país hispanofalante do mundo. Mais da metade do crescimento da população dos Estados Unidos entre 2000 e 2010 deveu-se ao aumento da comunidade hispânica.
Traduzido a partir do texto El español en el mundo, publicado na página www.eldiae.es do Instituto Cervantes.

Para baixar o relatório completo de 2015, "El Español: Una Lengua Viva", publicado pelo Instituto Cervantes clique aqui.

Fonte: www.abc.es (publicado em 30/06/2014)

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Parecidas, mas diferentes

Algumas palavras costumam despertar dúvidas porque são muito parecidas, mas ao mesmo tempo diferentes. Parecidas porque provêm da mesma raiz, ou radical; e diferentes, porque possuem desinências, isto é, terminações diferentes que lhes atribuem diferenças semânticas, por vezes, sutis, mas nem por isso, menosprezíveis.

Em alguns dos pares apresentados aqui, a fronteira semântica é muito tênue, fazendo com que ambas as palavras sejam usadas indistintamente, sem que isso represente erro ou comprometa o entendimento da mensagem. Procurei apresentar exemplos de uso reais extraídos do Corpus do Português, referenciado ao final do texto.

Claridade e clareza

Claridade: qualidade do que é claro, luminoso, resplandescente. Refere-se à luz natural ou artificial.

Exemplo: Toda a claridade como que vinha não das luzes penduradas no teto, mas da sua figura rósea, imaterial, ondulando entre a música como nas vagas de um sonho. (Dias perdidos, Lúcio Cardoso, www.corpusdoportugues.org)

Clareza: qualidade do que é inteligível e livre de ambiguidade. Refere-se à qualidade de expressar-se de modo compreensível, transparente.

Exemplo: No caso de Inocência, que é uma história tão bem contada, um libreto (de Visconde de Taunay) com absoluta clareza, mesmo de uma forma totalmente arrevezada, o filme, que não era uma narrativa circular, acabou sendo, porque tudo acontece enquanto Inocência delira. (Walter Lima Jr., www.corpusdoportugues.org)

Descoberta e descobrimento

Descoberta relaciona-se com inventoinvenção ou achado. Refere-se à coisa que se descobriu; invento, criação.

Exemplo:  Muita gente diz que a maior descoberta da humanidade foi a penicilina, outros dizem que foi a eletricidade.

Descobrimento designa o ato de descobrir algo que já existia, mas não era conhecido.

Exemplo: O descobrimento da Amazônia ainda não terminou. Os mistérios ainda não foram revelados. Acho que é isso que faz um fotógrafo fugir do olhar exótico geralmente mostrado. (Araquém Alcântara, www.corpusdoportugues.org)

descobrimento da Amazônia ainda não terminou. (Foto de Araquém Alcântara)

Requerimento e requisito

Requerimento: solicitação, reivindicação, petição qualquer verbal ou por escrito.

Exemplo: O manual terá em anexo vários modelos de requerimento, de projetos de lei, de resolução, de ofícios. Ele será a bíblia do vereador. Esse será o primeiro. Depois lançaremos outros. (Cid Marconi, www.corpusdoportugues.org)

Requisito: condição necessária para alcançar um determinado fim.

Exemplo: O requisito para concorrer às vagas é ter um curso superior completo.

Aparição e aparecimento

Os substantivos (ou nomes)aparecimento e aparição podem ser palavras sinônimas em certos contextos, nomeadamente quando os autores ou os falantes as usam com idênticos significados.

Por norma, utilizamos aparecimento para situações reais e incontestadas.

Exemplo: As demandas da sociedade mudaram. Esse novo modelo mundial, de revolução tecnológica, da globalização da economia, da interferência, não tem sido capaz de evitar o aparecimento de grande bolsões de pobreza. (Tasso Jereissati, www.corpusdoportugues.org)

Em contrapartida, usamos aparição para referirmos a visão de um ser sobrenatural ou fantástico ou ainda uma recordação muito viva de alguém, de algum lugar ou de algum acontecimento.

Exemplo: As aparições começaram em abril de 1993 e, com mais ou menos seis ou sete aparições, Nossa Senhora disse que tinha uma obra a fazer em recuperação dos jovens e pediu que fundasse uma comunidade. Então fundamos, mesmo sem sede, na Vila Pery, onde ocorreu a primeira aparição. (José Ernani dos Santos, www.corpusdoportugues.org)

Incrível e inacreditável

"Incrível" e "inacreditável" querem dizer a mesma coisa — e não querem. "Incrível" é elogio. Você acha incrível o que é difícil de acreditar de tão bom. Já inacreditável é o que você se recusa a acreditar de tão nefasto, nefário e nefando — a linha média do Execrável Futebol Clube. (Luis Fernando Veríssimo)

Incrível: que ou o que não é crível, não se pode acreditar, que possui um caráter extraordinário; fantástico.  Tem sentido positivo.

Exemplo:  Eu amo as pessoas daqui. Gosto do povo mais do que do país. O país é maravilhoso também, mas o povo é incrível. (Reverendo Samuel Doctorian em entrevista ao JC, www.corpusdoportugues.org)

Inacreditável: que não merece crédito, não acreditável. Tem sentido pejorativo.

Exemplo: O ministro Pertence certa vez levou três anos para examinar um pedido de vistas de um processo sobre telecomunicações que tinha de entregar na próxima sessão, de acordo com o regimento do tribunal. É inacreditável. Se fizermos alguma coisa assim no Congresso, vão achar uma aberração. (ACM em entrevista ao Estado, www.corpusdoportugues.org)

Surpreso e surpreendido

As duas formas podem ser usadas como sinônimos de perplexo, mas há uma sutil diferença semântica entre elas.

Surpreso: desconcertado ou abalado com (algo desagradável e não esperado); atônito, perplexo, chocado. Ou agradavelmente surpreendido; admirado, espantado, pasmo
Exemplo: Assediado pela imprensa, o VJ Rodrigo declarou estar surpreso com a estrutura do festival e da cidade e a qualidade musical das bandas. (Guto Goffi, www.corpusdoportugues.org)

Surpreendido: apanhado em flagrante, tomado ou apanhado de improviso.
Exemplo: E Ivan se comportara exatamente como Lena havia previsto. Ao se ver surpreendido cortejando Ucha, Ivan admitiu sua culpa afastando-se repentinamente de sua presa. (Corpo Vivo, de Adonias Aguiar, em www.corpusdoportugues.org)

Escuro e obscuro

Essas duas palavras muitas vezes são usadas indistintamente para referir-se à falta luz, à cor que tende a preto, à falta de inteligibilidade, à melancolia, a algo sombrio e tenebroso. A diferença é muito tênue, geralmente usa-se a palavra escuro no sentido literal e a palavra obscuro no sentido figurado. 

Escuro: em que não há luz; que tem pouca ou nenhuma claridade. Que tem cor preta ou tonalidade que tende a preto. É mais usado no sentido concreto, material: cabelo escuro, roupa escura, quarto escuro, etc.

Exemplo:  Não dá para falar da luz do sertão sem falar no escuro. Aqui, do lado de fora das casas existe essa luminosidade absurda, enquanto no interior é breu. Abrindo uma janela, entra aquele facho de luz e o resto continua no escuro. O filme trabalha nesse contraste claro-escuro. (Pedro Bial, www.corpusdoportugues.org)

Obscuroque denota tristeza; sombrio, tenebroso. Que não é claro para o espírito, que é difícil de compreender, de explicar.

Exemplo:  Dessa forma, encontrando, no seu natural melancólico, cheio de uma doce tristeza e de um obscuro sentimento da mesquinhez do seu destino, terreno propício, o livro de Casimiro de Abreu caiu-lhe n' alma como uma revelação de novas terras e novos céus. (Clara dos Anjos, Lima Barreto)


Referências:
Davies, Mark and Michael Ferreira. (2006-) Corpus do Português: 45 milhões de palavras, 1300s-1900s. Disponível em http://www.corpusdoportugues.org.
Dicionário Eletrônico Houaiss, 2009.


sexta-feira, 24 de abril de 2015

Filha do poeta inglês Lord Byron é considerada a primeira programadora da história

Augusta Ada Byron
Matemática inglesa, considerada a primeira programadora de computadores do Mundo, nasceu a 10 de dezembro de 1815, em Londres, e morreu prematuramente a 27 de novembro de 1852, vítima de cancro no útero. Filha do poeta Lord Byron, foi, após o divórcio dos pais, criada e propositadamente incentivada pela sua mãe de forma a desenvolver um maior interesse pela área científica em detrimento da literária. Já estudante de Matemática, conheceu Charles Babbage, um eminente professor daquela disciplina que desenvolvia, na altura, a máquina analítica. Fascinada pelo projeto, Byron escrever-lhe-ia mais tarde, expondo as suas ideias sobre a inovadora máquina de calcular, que, na opinião de Babbage, ultrapassavam em muito o seu próprio raciocínio. 

Tendo compreendido integralmente o funcionamento e as capacidades deste engenho, acabou por lhe projetar diversas funcionalidades - conceção de gráficos, inteligência artificial e composição de música complexa, por exemplo - e sugerir a Barbbage que desenvolvesse um plano sobre como a máquina poderia calcular números de Bernoulli. Este plano seria, mais tarde, considerado pioneiro na história do desenvolvimento de programas para computador. Em homenagem à condessa de Lovelace - assim conhecida pelo seu casamento com William King, conde de Lovelace - foi atribuído, em 1979, o nome ADA a uma linguagem de programação desenvolvida pelo Departamento de Defesa dos EUA.


O talento de Augusta Ada Byron esteve, até meados do século XX, encoberto pelo de Charles Babbage. Hoje em dia, porém, é vista e reconhecida como uma verdadeira visionária, um elemento essencial no campo do desenvolvimento das ciências de computação.

in Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2015. [consult. 2015-04-24 13:17:39]. Disponível na Internet: 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

"Ficar para titia" em espanhol



Em português, a expressão “ficar para titia” tem sua origem na sociedade machista e patriarcal, que não via com bons olhos o fato de uma mulher ficar solteira. Antigamente as mulheres não tinham direito a estudar e as primeiras escolas destinadas à educação da mulher estavam voltadas a trabalhos domésticos, manuais, cânticos, etc. Naquela época a mulher era educada para servir e obedecer ao marido. A função da mulher na sociedade era a de gerar herdeiros, por isso, as mulheres eram cobradas para casar com idades entre 15 e 16 anos. 

Desnecessário dizer que com as transformações sociais, as leis e as grandes guerras que fizeram com que as mulheres fossem às fábricas, a mulher conquistou seu devido espaço. Mesmo assim, a expressão utilizada para a irmã mais velha quando a nova já havia tido filhos persistiu: “ficar para titia”. Atualmente, ainda se utiliza essa expressão para as mulheres solteiras de idade avançada. 


E na Espanha, existe alguma expressão semelhante? Sim, claro. Na Espanha, além das características da sociedade patriarcal, também teve grande peso a tradição católica, por isso, a expressão utilizada por lá é “quedarse para vestir santos”. Ou seja, em outras épocas, as mulheres que não se casavam na Espanha, recluiam-se em conventos, ou ainda, como tinham mais tempo livre, dedicavam-se a manter limpos os templos religiosos da cidade, por isso, dizia-se que ficavam para vestir santos. 


Da mesma forma que no Brasil, os costumes mudaram, mas a expressão persistiu.

Na Argentina, a expressão virou nome de uma série televisiva Para vestir santos de gênero comédia dramática produzida por Pol-ka Producciones, e foi emitida de 21 de abril de 2010 a 29 de dezembro do mesmo ano pelo canal treze.



sexta-feira, 4 de abril de 2014

Chato de galocha




Você já deve ter ouvido a expressão “chato de galocha”, mas já se perguntou qual é a sua origem?



Antigamente as ruas não eram pavimentadas e não havia calçadas, por isso, nos dias de chuva, as pessoas usavam galochas. Diz o dicionário que a galocha é um acessório que se calça por cima do calçado, evitando que este fique estragado pela água. Eu não conheço esse acessório, para mim a galocha é a bota de borracha, ideal para os dias de chuva por ser impermeável.



Naquela época de muito barro quando chovia, era comum encontrarmos um artefato para limpar as botas,sapatos ou “galochas”. Alguns improvisados, outros mais elaborados.


O problema é que sempre tinha algum “sem-noção” que entrava nos estabelecimentos ou nas casas sem tirar as galochas e molhava o chão ou deixava aqueles torrões de barro de lembrança. Imagine a raiva das atendentes e das donas de casa! Sinceramente, acho que elas eram até muito contidas e discretas ao chamá-los de “chatos de galocha”, eu os chamaria, no mínimo de “FDPs de galocha”, o que não seria nada justo com as pobres mães, que sempre acabam levando a fama.



Bom, ao menos essa falta de educação serviu para enriquecer o nosso repertório linguístico. Hoje em dia, a expressão serve para designar uma pessoa extremamente chata, insistente e enfadonha.



Para traduzi-la ao espanhol, não adianta dizer “un pesado con botas de agua”, pois não fará nenhum sentido. Na Espanha, um “chato de galocha” é um “plasta”, “pesado”, “plomo”, “pelma”, “latoso”, “coñazo”, na Argentina, Uruguai e Paraguai, diz-se um “hincha bola” um “hincha pelota”, ou seja, aquele que “enche o saco”.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Martinho Lutero e a tradução da Bíblia para o alemão




O alemão Martinho Lutero (1483 – 1546) foi a figura central da reforma protestante. De origem humilde, formou-se em filosofia. Um dia, o jovem estudante encontrou na biblioteca um exemplar da Bíblia, algo raro numa época em que os livros eram escassos e caros. Encheu-se de alegria com a descoberta e, depois de ler o livro sagrado, passou a se perguntar o que deveria fazer para ser salvo. 

Certa ocasião, durante uma tempestade, um raio caiu perto dele e o deixou profundamente impressionado. Ele interpretou o acontecimento como um sinal divino e procurou reclusão num mosteiro para acalmar seu espírito agitado e cheio de dúvidas a respeito da salvação de sua alma.



No mosteiro, ele orava fervorosamente, cumpria penitências, jejuns e se flagelava. Também mendigava por ordem dos freires que sentiam certo prazer em humilhá-lo e demonstrar-lhe que sua ciência e seu saber em nada o diferenciavam de seus irmãos. Ali foi afastado dos estudos e da leitura da bíblia. As orações, penitências e flagelos não lhe trouxeram a tão almejada paz de espírito. Somente conseguiu alcançá-la ao conhecer o vigário Staupitz, que, após ouvir suas lamentações, lhe disse: "eu acredito na remissão dos pecados através da fé. Para arrepender-se você deve amar a Deus e não temê-lo". Essas palavras penetraram fundo no coração de Lutero que voltou a ler a bíblia que lhe fora devolvida pelos freires.



Ao ler novamente a bíblia Lutero compreendeu que Cristo morreu para justificar nossos pecados e passou a crer que só a fé justifica e não as obras da lei, os rituais dos homens. Foi aí que começou a alimentar o desejo de traduzir a bíblia para que o povo alemão pudesse ter acesso direto à fonte, sem intermediários.



Em 1509, o príncipe-eleitor da Saxônia, Federico III, o sábio, fundou a universidade de Wittemberg e Staupitz o influenciou para que Lutero fosse nomeado catedrático. Nesse mesmo ano, Lutero obteve licenciatura em teologia e foi destinado a ministrar teologia bíblica. Começou a ensinar com tanta paixão e desembaraço que suas aulas recebiam cada vez mais estudantes. Por insistência de Staupitz, Lutero começou a predicar, primeiro no convento e depois na igreja da cidade até ser nomeado predicador da igreja matriz de Wittemberg. Em 1511, foi enviado pela ordem para ter uma audiência com o Papa. Encheu-se de júbilo pois esperava encontrar paz e consolo para sua consciência na cidade que considerava sagrada. Entretanto, o que viu o desagradou profundamente: poder, prazeres mundanos, cobiça e ignorância.



Ao voltar de Roma ficou doente e em seu leito as palavras que lhe deram consolo foram “o justo por sua fé viverá”. Após se recuperar, graduou-se doutor na Sagrada Escritura, dedicou-se mais do que nunca ao estudo da Bíblia e passou a predicar e ensinar com mais fervor ainda, fazendo o possível para fundar escolas. O solo estava sendo preparado para a semente da grande reforma.



Entre 1514 e 1515, o papa Leão X, amante do esplendor e das artes, com o pretexto de arrecadar dinheiro para a luta contra os turcos e para a conclusão da Basílica de São Pedro, autorizou a venda de indulgências para a salvação das almas. O comércio descarado de indulgências que prometiam a absolvição, o perdão dos pecados antes mesmo de serem cometidos e a salvação dos mortos em troca de alguns ducados, irritou profundamente Lutero, que acabou por desafiar a Igreja Católica Romana ao publicar suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, contra a venda de indulgências e contra o abuso de poder da igreja.



As 95 Teses de Lutero foram logo traduzidas para o alemão e amplamente copiadas e impressas. Ao cabo de duas semanas, haviam se espalhado por toda a Alemanha e, em dois meses, por toda a Europa. Este foi o primeiro episódio da História em que a imprensa teve papel fundamental, pois facilitou a distribuição simples e ampla do documento que deu início à reforma da igreja. Como consequência, Lutero, foi convocado pelo Papa para se retratar, coisa que não fez, pois afirmou que não poderia ir contra aquilo em que acreditava.



Lutero foi excomungado e, em 1521, o Imperador Carlos V inaugurou a Dieta de Worms. Lutero foi chamado a renunciar ou confirmar seus ditos e lhe foi outorgado um salvo-conduto para garantir-lhe o seguro deslocamento. Lutero manteve-se firme, não se retratou e antes que a decisão fosse proferida, ele abandonou Worms e desapareceu durante seu regresso a Wittemberg. O Imperador redigiu o Édito de Worms a 25 de maio de 1521, declarando Martinho Lutero fugitivo e herege, e proscrevendo suas obras.



O sumiço do reformante se deveu a que Frederico, o sábio, havia forjado o sequestro de Lutero para dar-lhe proteção no castelo de Wartburg, onde ele permaneceu por quase um ano e iniciou seu célebre trabalho de tradução da Bíblia.

Em 1525, casou-se com a monja Catalina de Bora, vinte anos mais jovem que ele, exercendo na prática sua tese de abolição do celibato. O casal teve 6 filhos.

Em 1529, Lutero publicou seu Pequeno Catecismo, onde explica, em linguagem simples, a teologia da Reforma Evangélica. Proibido de assistir à Dieta de Augsburg por ter sido excomungado, Lutero delegou a defesa dos reformadores, formulada na Confissão de Augsburg (1530), a seu colega e amigo, o humanista Felipe Melanchthon. Sua influência estendeu-se a norte e a leste da Europa e seu prestígio contribuiu para que Wittenberg se tornasse um centro intelectual.

Personagem fundamental da história moderna europeia, sua influência alcançou não somente a religião, mas a política, a economia, a educação, a filosofia, a linguagem, a música e outras áreas culturais.



Como ninguém é perfeito e toda paixão exacerbada corre o risco de despertar o ódio exacerbado, a história de Lutero também tem sua mancha, principalmente nos últimos anos de vida, quando publicou e externou sentimentos antissemitas. Seu ódio não tinha fundamentação racista, mas religiosa, ele não aceitava o fato de os judeus não reconhecerem Jesus Cristo. Mesmo assim, suas declarações e publicações serviram posteriormente para justificar a ideologia nazista.



O objetivo aqui não é julgar os preconceitos nem o posicionamento religioso de Lutero, mas destacar seu trabalho de tradução da Bíblia, sua contribuição para os estudos da tradução e para a língua alemã. É de se admirar a coragem que ele teve de de nadar remar contra a maré e manifestar seus sentimentos de forma tão obstinada numa época de terror em que a inquisição perseguia e condenava pessoas à morte de forma arbitrária e impiedosa.



A tradução da Bíblia 

Essa tarefa o absorveu até o final de sua vida. Com ajuda de amigos, começou a traduzir o Novo Testamento para o alemão a partir da segunda edição de Erasmo de Roterdão do Novo Testamento grego. Lutero andava pelas ruas e mercados para ouvir as pessoas falarem porque ele desejava que sua tradução fosse acessível ao povo, o mais próxima possível da linguagem contemporânea. A Bíblia Luther Foi publicada em setembro de 1522, seis meses após ele ter retornado a Wittenberg.



Esta tradução é considerada como sendo, em grande parte, responsável pela evolução da moderna língua alemã.



Os textos sobre a “teoria” da tradução de Lutero, não pretendem descrever o modo de traduzir, são mais uma justificativa de sua tradução do Novo Testamento. Sua concepção linguística e tradutológica estão subordinadas a sua concepção religiosa, a tradução da Bíblia só tem sentido dentro de uma perspectiva teológica, tendo como princípios básicos: a Bíblia como única regra; só a fé salva e  a universalidade do sacerdócio: todos podem e devem ler e interpretar a Bíblia.



Em seus escritos ‘tradutológicos’, Lutero defende uma tradução retórica e de estilo popular, não com fins estéticos, mas comunicativos. Ele concedia grande importância ao meio cultural dos destinatários, por isso traduzia adaptando o texto à mentalidade e ao espírito dos homens de seu tempo a fim de dar a compreender as realidades históricas, culturais e sociais relatadas na Bíblia e próprias de uma sociedade distanciada no tempo e no espaço. Na prática, privilegia o texto na língua de chegada, mas também admite estrangeirismos se a formulação do original expressa melhor o conteúdo da mensagem. Embora seus comentários sobre a tradução enfatizem a tradução do sentido, Lutero não afirma que esta seja melhor que a da palavra, ele declarou servir-se das duas.



Em sua “Carta aberta sobre tradução”, Lutero replicou as críticas que os papistas dirigiam a sua tradução, seus argumentos são claros e diretos e ele não tem papas na língua para expressar sua indignação:



Em resposta à fúria dos papistas que o acusavam de ter acrescentado a palavra sola (somente) à tradução do terceiro capítulo da Epístola aos Romanos, versículo 28, em que Lutero traduziu as palavras de Paulo: “Arbitramur hominem iustificari ex fide absque operibus”, como “Sustentamos que o homem é justificado somente pela fé, sem as obras da lei”, Lutero disse, entre outras coisas:



“Voltando novamente à questão. Se o seu papista quer incomodar-se bastante com a palavra sola-somente, diga-lhe logo: o doutor Martinho Lutero quer assim e diz que papista e asno é a mesma coisa. “Sic uolo, sic iubeo, sit pro ratione uoluntas”  [“assim quero, assim ordeno, tome-se a vontade por razão”]. Pois não queremos ser alunos nem discípulos dos papistas, mas seus mestres e juízes. Queremos por uma vez também gabar-nos e vangloriar-nos com essas cabeças de asno. E como São Paulo se gloria contrapondo-se aos santos insensatos , assim também eu quero gloriar-me contrapondo-me a esses meus asnos. Eles são doutores? Eu também. Eles são eruditos? Eu também. Eles são pregadores? Eu também. Eles são teólogos? Eu também. Eles são argumentadores? Eu também. Eles são filósofos? Eu também. Eles são dialéticos? Eu também. Eles são preletores? Eu também. Eles escrevem livros? Eu também.

E quero continuar gloriando-me: Eu sei interpretar os salmos e os profetas; eles não sabem. Eu sei traduzir; eles não sabem. Eu sei rezar; eles não sabem. E para falar de coisas menores: eu entendo sua própria dialética e filosofia melhor do que todos eles juntos. E além disso sei deveras que nenhum deles entende seu Aristóteles. E se há alguém entre todos eles que entenda corretamente um prefácio ou um capítulo de Aristóteles, deixarei que me açoitem.  Não estou agora exagerando, pois fui educado e adestrado desde a juventude em toda sua arte, e sei muito bem quão profunda e vasta ela é. Da mesma forma eles sabem muito bem que eu sei e posso tudo o que eles podem. Não obstante, essa gente insana se comporta comigo como se eu fosse um hóspede em sua arte, que tivesse chegado apenas hoje pela manhã e nunca tivesse visto nem ouvido o que eles estão aprendendo ou podem fazer; assim tão maravilhosamente ostentam sua arte e me ensinam o que eu há vinte anos gastei em solas de sapato; de forma que eu também, em resposta a todos seus berros e gritos, tenho que cantar com aquela rameira: ‘Faz sete anos que eu sei que os pregos das ferraduras são de ferro’”



E para sua escolha tradutológica, buscou justificativa, no texto sagrado:



“Isto é o que havia para ser dito quanto à tradução e à propriedade das línguas. Eu, porém, não confiei somente na propriedade das línguas e a observei ao acrescentar solum, “somente”, em Romanos 3, 28, mas também o texto e o pensamento de São Paulo o exigem e o reclamam com força; pois ele trata ali mesmo do elemento principal da doutrina cristã, ou seja, que nós somos salvos pela fé em Cristo, sem qualquer obra da lei; e exclui todas as obras tão claramente que chega a dizer que as obras da lei (que obviamente é a lei e a Palavra de Deus) não colaboram para a salvação; e dá como exemplo Abraão, que foi salvo tão isento das obras que, inclusive a maior delas, que então fora um novo mandamento de Deus acima de todas as outras leis e obras, a saber, a circuncisão, não lhe ajudou para a salvação, mas foi salvo pela fé, sem a circuncisão e sem qualquer obra, como ele fala no capítulo 4: “Se Abraão foi salvo pelas obras, ele pode se vangloriar, mas não diante de Deus”. Pois bem, onde se exclui tão completamente todas as obras – e esse deve ser o sentido de que somente a fé salva – e quer-se falar claramente e diretamente de uma tal exclusão das obras, tem-se que afirmar: Somente a fé e não as obras nos salvam. Isso é exigido pela própria questão além da propriedade da língua.

Sim, eles dizem que soa escandaloso e com isso as pessoas aprendem que não precisam fazer boas obras. Mas meu caro, o que se lhes pode responder? Muito mais escandaloso é o fato de que o próprio São Paulo não diga somente a fé, mas descarregue ainda mais duramente encerrando a questão: sem as obras da lei, e em Gálatas 2, 16: não pelas obras da lei, e semelhantes em outras passagens. A expressão somente a fé ainda admitiria um comentário, mas a expressão sem as obras da lei é tão dura, escandalosa e abominável, que não pode ser amenizada com nenhum comentário. Muito mais poderiam as pessoas aprender com isso a não fazerem boas obras, pois elas ouvem das próprias obras pregar com palavras tão duras e fortes: Nenhuma obra, sem obras, não pelas obras. Se não é escandaloso que se pregue: Sem obras, nenhuma obra, não pelas obras, por que seria escandaloso então pregar somente a fé?”

  

Tradução completa da “Carta aberta sobre a tradução” de Mauri Furlan.

A teoria de tradução de Lutero”, por Mauri Furlan.