Márcia Cavalcanti Ribas Vieira é graduada em Ciências Sociais, com mestrado em Letras pela PUC-RJ, com uma tese sobre o livro Lavoura Arcaica de Raduan Nassar. Morou durante algum tempo na Argentina e no Chile e traduziu cerca de 20 livros entre 1983 e 2008, entre os quais o fenômeno de vendas A Sombra do Vento — do escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón, que conquistou fama internacional com esse livro — pela Editora Objetiva em 2004. Além disso, Márcia traduziu e fez versões de alguns filmes para a TV e publicou o livro de poesias Anos 70, pela Editora 7 Letras em 2002. Afastou-se da área de tradução em 2008.
Olá, Márcia, seja muito bem-vinda! Em primeiro lugar
gostaria de agradecer sua disposição em participar desta entrevista e dizer que
admiro muito seu trabalho. Como fã de A Sombra do Vento (livro que já li
três vezes), gostaria muito de saber mais sobre sua experiência como tradutora
dessa obra do espanhol europeu para o português do Brasil.
A tradução literária é por si mesma uma tarefa muito instigadora,
mas cada livro é um desafio à parte. Quais foram as principais dificuldades que
você encarou quando traduziu A Sombra do Vento?
As maiores dificuldades foram, sem dúvida, as expressões
idiomáticas, as expressões de um modo geral. Orientada pelo espanhol
“argentino”, algumas expressões eram totalmente desconhecidas para mim,
oriundas de épocas e locais precisos, em Espanha, na Barcelona, naquela época. Outras,
conhecidas, sim, no espanhol “argentino” mas não por mim.
Cada autor tem um estilo próprio que precisa ser
respeitado para que o leitor tenha a experiência mais próxima daquela que teria
se pudesse ler o original. No que diz respeito a Carlos Ruiz Zafón, que
dificuldades impõe seu estilo?
São as expressões, basicamente. O texto de um modo geral e
muito poético, muito sentimental, com muitas descrições que relatam sonhos e
impressões. É preciso seguir o que o autor quer dizer. E básico entender que o
texto é poético. No entanto, nos diálogos, quando há expressões que não
conhecemos, estas se tornam a maior dificuldade. Podemos trocar as palavras,
mas é essencial passar o que o autor quis dizer, o sentido daquilo que está
dizendo.
E a tradução dos diálogos? Quais foram suas diretrizes
para conseguir um bom resultado?
Ser o mais fiel possível ao que os personagens querem dizer.
A obra em questão está impregnada de marcas culturais,
referências a Barcelona, a pratos típicos, a personagens históricos, à Guerra
Civil espanhola. Como lidar com toda essa informação?
É indispensável fazer uma pesquisa inicial, buscar
dicionários especializados, dicionários de espanhol, outro de
espanhol/português, outro português/português, dicionários que explicam, outro
que dão sinônimos, antônimos, dicionários de gírias e expressões espanhol/espanhol, dicionário
espanhol/francês , de gírias em francês, e assim por diante. Quanto à época histórica, não vi tanta necessidade
de ir muito além do que estava no texto, e um pouco já conhecia; a culinária, foi
preciso pesquisar, e até passei lista de palavras a uma pessoa conhecida. E preciso
“desvendar” o livro, esclarecer o máximo possível tudo, para depois começar a
transportá-lo ao seu idioma. E bom
esclarecer que falo espanhol desde muito pequena, por questões familiares. E português, fui leitora assídua da literatura
nacional e estrangeira.
Nem sempre podemos nos servir das mesmas palavras que o autor
usa no outro idioma. Para isso, a leitura de um modo geral é importantíssima, ler os grandes autores, como se
servem da linguagem. E ainda temos a questão da sintaxe, da gramática em
português, que, se bem que o revisor vai ajudar, é uma área em que, quanto mais
domínio tivermos, mais fácil será a tradução.
A intraduzibilidade é uma pedra no sapato do tradutor, no entanto não temos como fugir dela. Qual é a sua atitude diante de um termo ou expressão intraduzível?
Colocando nota de rodapé,
explicando ao máximo.
Para terminar, uma curiosidade: Qual é o seu personagem
favorito de A Sombra do Vento e por quê?
Acho que é o Fermín Romero de Torres, mas todos são
interessantíssimos!
Agora sim, a "saideira": O que representa A
Sombra do Vento em sua vida?