Hoje vou falar dos
meus dez livros da vida... Primeiramente devo dizer que foi uma tarefa muito
difícil escolher apenas dez entre tantos livros incríveis que já li, então
escolhi aqueles que me afetaram de forma mais pessoal e que ilustram bem meus
gostos literários. Salvo as capas de O
sol é para todos e El príncipe feliz
y otros cuentos, as demais são ilustrativas, pois já não lembro quais edições li. Algumas leituras foram em papel; e outras, em leitor digital. Falarei
um pouco de cada uma delas:
1.
Don
Quijote de la Mancha, de
Miguel de Cervantes
Se eu tivesse de
escolher somente um livro entre todos, escolheria Dom Quixote, porque é uma
obra tão abrangente que abarca praticamente todas as questões literárias e filosófico-existenciais. Em termos literários, é considerado o pai do romance moderno porque implementou a fórmula do realismo, a crítica social, além disso criou o romance polifônico, que interpreta a realidade a partir de várias perspectivas sobrepostas, combina vários gêneros, como o dramático, o conto, a fábula, a lenda, etc.; e, em termos existenciais, aborda questões, como a liberdade, a justiça e o amor. Além
disso, é uma obra que reverbera em toda a produção literária universal.
Cervantes conseguiu dominar o imaginário, aliar erudito e popular, realidade e
ficção e condensar os ideais de justiça e liberdade na figura de um louco
incauto, e é por isso que o livro é tão comovente, porque o protagonista
acredita piamente em sua capacidade de mudar o mundo, ainda que tudo não passe
de ilusão.
E, como se tudo isso fosse pouco, é diversão garantida!
E, como se tudo isso fosse pouco, é diversão garantida!
2.
El
príncipe feliz y otros cuentos, de Oscar Wilde (tradução de Flora Casas)
Este livro é muito
especial para mim, pois ele me introduziu na literatura adulta. Ganhei-o quando
eu tinha cerca de dez anos como presente de minha mãe. Acostumada aos contos
infantis de Christian Andersen e dos irmãos Grimm, quando li Oscar Wilde,
experimentei sensações totalmente diferentes. Os contos de Wilde não tinham
finais felizes, eles eram melancólicos e tristes, mas extremamente belos. Foi
assim que nasceu meu fascínio pelo universo literário.
Assim como os contos
de Oscar Wilde, O Pequeno Príncipe,
de Antoine de Saint-Exupéry, foi outro livro adulto disfarçado de literatura infantil, que
marcou minha infância devido ao seu teor filosófico e poético. Desculpem meu
deslize, admito que houve certa trapaça de minha parte ao enfiar mais um livro
aqui... Mas convenhamos que ambos os príncipes são adoráveis...
3.
O sol
nasce para todos, de
Harper Lee (tradução de Maria Aparecida Moraes Rego)
Peguei este livro
emprestado na biblioteca pública de Foz do Iguaçu quando eu tinha uns 12 anos.
Escolhi-o pela capa e pelo título, não fazia ideia de estar levando para casa
um clássico da literatura mundial. Acho que o que mais me cativou nele foi o
fato de a história ser narrada desde a perspectiva de uma criança. Este livro
me fez refletir sobre algo que até então me era estranho, o racismo e a
injustiça.
4.
Dom
Casmurro, de Machado de
Assis
Dom Casmurro é aquele
livro que me conquistou pelo estilo irônico, crítico e pessimista do autor.
Depois de ter lido algumas obras do ultrarromantismo brasileiro em que o amor é
idealizado, como Senhora, de José de
Alencar, ou A Moreninha, de Joaquim
Manuel de Macedo, deleitei-me com a perspicácia de Machado, seu humor ácido,
sua crítica social e as novidades estilísticas: o diálogo com o leitor, a
descrição psicológica das personagens, a linguagem enxuta e a interpretação
aberta que permite diversas interpretações, sem falar na imagem da mulher,
livre do estereótipo da mocinha angelical e romântica.
5.
As Meninas, de Lygia Fagundes Telles
Este livro eu peguei emprestado
na biblioteca de Itaituba, uma cidade do interior do Pará, onde vivemos durante
dois anos. Peguei sem pretensão alguma, sem conhecer a autora, sem saber nada a
respeito. Mal sabia eu que estava levando um cânone da literatura feminina
brasileira para casa. E hoje me pergunto por que esta autora é relegada das
faculdades de letras? Sem dúvida, uma grande injustiça. Merece destaque neste
livro a forma como a narrativa é construída, a partir da perspectiva de três
amigas, isto é, três focos narrativos que se alternam ao longo do livro e que
nos ajudam a construir uma visão multifacetada da relação entre as personagens.
Recurso semelhante, em minha opinião, ao utilizado por Mario Vargas Llosa em La ciudad y los perros, livro que também
faz parte desta lista.
6.
A Metamorfose, de Franz Kafka (tradução de Modesto Carone)
Este livro eu li na
faculdade, durante o curso de letras. Apresentamos um trabalho sobre ele na
disciplina de Literatura Ocidental. Fiquei obcecada pelo autor e acabei lendo
outras obras suas, como O castelo, O Processo, O veredicto, Na colônia penal
e Carta ao pai. Foi então que aprendi
a analisar a obra de uma forma mais abrangente, a literatura como arte, os
aspectos estéticos, culturais e sociais. A influência do momento histórico, a
intertextualidade, a crítica literária, enfim, foi um divisor de águas entre a
leitura meramente recreativa e a reflexiva. Não que a primeira seja inútil, mas
a segunda nos permite ver além do senso comum.
Quanto à história em
si, a transformação de um ser humano em inseto representa o absurdo e pressagia, ainda que inconscientemente, o horror que estava por vir, pouco tempo depois, nos campos de concentração, a
desumanização do homem, o extermínio de seres humanos como se insetos fossem.
7.
Los santos inocentes, de Miguel Delibes
Esta também foi uma
leitura de faculdade, como parte do currículo de Literatura Hispânica. É uma
obra contundente sobre a desigualdade social da Espanha rural da época
franquista, pós-guerra civil. O autor denuncia de uma forma lírica a exploração
e o abuso de poder dos proprietários das terras para com seus empregados, cujas
vidas também lhes pertencem. O protagonista é um empregado com deficiência
mental, extremamente simples e inocente, que nutre um sentimento de devoção
pela ave de rapina da qual cuida, e que o acompanha nas caçadas de pombos com o
patrão. O nome do livro se refere aos santos
inocentes, os meninos assassinados a mando do rei Herodes, que pretendia matar
Jesus entre eles. Assim são as personagens deste livro, inocentes sem livre
arbítrio, até o momento em que se produz uma trágica reviravolta.
Foi graças a este
livro que me tornei fã do autor. Esta é mais uma dessas obras que conquista
prêmios, ultrapassa fronteiras e se torna conhecida mundialmente e acaba sendo
adaptada para o cinema. Quantos jovens já não fizeram parte ou desejaram fazer
parte de um grupo para adquirir uma identidade, integrar-se e enfrentar juntos
uma realidade adversa? Este livro conta a história de um grupo de alunos
novatos de um colégio interno militar que se une para enfrentar as humilhações
e castigos impostos pelos alunos veteranos. Assim como no livro As meninas, de Lygia Fagundes Telles, a
narrativa é um ponto alto. Ela se dá através da alternância de
monólogos interiores e de saltos abruptos entre o passado e o presente, o que
torna a leitura mais desafiadora. Além disso, aborda questões que assolam não
somente a sociedade peruana, mas grande parte dos países latino-americanos: a
desigualdade social, o machismo e o preconceito racial para com os mestiços de
índios e negros. Sem dúvida, é um ícone da literatura hispano-americana e
mundial. Para saber mais, leia a resenha que publiquei aqui no blog http://www.tradutoradeespanhol.com.br/2015/11/bueno-como-hacetiempo-que-no-publico.html
9.
As
vinhas da ira, de John Steinbeck (tradução de Ernesto Vinhaes e Herbert Caro)
Esta é outra daquelas obras que deixam marcas... Também premiada, relata as dificuldades de uma
família que, durante a grande depressão, se vê obrigada a abandonar a região do
Oklahoma, castigada pela seca e que sofre com uma terrível tempestade de
areia, para dirigir-se à Califórnia seduzidos pela promessa de trabalhos e bons
salários. A obra relata a pobreza extrema das famílias de imigrantes, que além
da miséria, sofrem discriminação por onde passam e que, para sobreviver, são
obrigadas a submeter-se a todo tipo de humilhação e exploração. O final do
livro é um dos mais comoventes que já li.
10. Los que vivimos, de Ayn Rand (tradução
de Luis Kofman)
E para
fechar com chave de ouro, esta lista que não se encerra aqui, pois ainda tenho
muito que ler, um livro que infelizmente ainda não foi traduzido ao português, Los que vivimos, de Ayn Rand (em inglês,
We the living). Li este livro no
momento em que vivíamos a pré-eleição aqui no Brasil, em 2018. A história deste
livro está ambientada na Rússia comunista, logo após a revolução proletária.
Apesar de não ser uma obra autobiográfica, a autora sofreu na pele as amarguras
do comunismo e conseguiu naturalizar-se americana após uma arriscada fuga da
União Soviética. Minha família também sofreu na pele essas amarguras, meu
pai fugiu da Alemanha Oriental; e minha mãe, de Cuba, junto com sua família. Assim, esta obra só
veio confirmar minha convicção de que se trata de um regime nefasto, empenhado em eliminar todo individualismo
em nome da coletividade, ou seja, sufocar todas as paixões e ilusões pessoais, em nome do Estado.
Nas palavras da autora, “Viver para o Estado é um princípio mau e não pode
levar a nada que não seja mau”. A protagonista é Kira, uma jovem determinada, ousada e apaixonada, capaz de trair seus princípios em nome do
amor e da liberdade. Também dediquei uma postagem a este livro aqui no blog. http://www.tradutoradeespanhol.com.br/2018/01/acerca-del-libro-los-que-vivimos-de-ayn.htmlComo a vida segue seu curso e eu continuo lendo, esta lista deve aumentar e, em algum dado momento, devo publicar uma nova lista com outros dez livros.
E você, caro leitor, gostou dessa lista? Gostaria de deixar alguma indicação ou de apresentar sua própria lista? Fique à vontade para deixar seus comentários, que os lerei com muito prazer.