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quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Coisas irritantes em matéria de língua




E aí, galerinha, beleza? Se você ainda não está seguindo o blog, não tem problema, não. E também não precisa deixar seu “joinha” nem compartilhar o texto para ajudar, basta passar por aqui de vez em quando, já está de bom tamanho.

Como não dormi bem esta noite, resolvi destilar um pouquinho da minha peçonha falando de algumas coisas irritantes em termos linguísticos, não o são todas na mesma intensidade, cada uma o é à sua maneira.

Uma coisa irritante, bem irritante mesmo, tipo grau 11 numa escala de 0 a 10, é esse papo de que a gramática é um instrumento de opressão e de poder usado para subjugar o povo. “Pelamadrugada”... é tudo o contrário; primeiro, a gramática não é o fim, não se ensina gramática simplesmente para escrever bem, mas para ter acesso à beleza da língua; segundo, a gramática e o domínio da língua nos tornam pessoas mais autônomas, capazes de expressar-nos com clareza, de defender e refutar ideias; terceiro, quem defende essa teoria o faz num português impecável, quanta hipocrisia, não? Parei por aqui.

Outra coisa bem irritante na escala da irritabilidade é essa tendência de impor a linguagem politicamente correta, muitas vezes me parece uma atitude extremamente cínica, que em lugar de promover justiça faz exatamente o contrário, mascara a realidade e provoca ojeriza. No Brasil, por exemplo, a situação melhorou bastante, agora não há mais favelas, mas sim comunidades; não há mais pobres, mas sim menos favorecidos; não há mais negros, mas sim afrodescendentes; não há mais viciados, mas sim dependentes químicos; não há mais aborto, mas sim interrupção da gravidez; não há mais mentiras, mas sim inverdades, e por aí vai... É uma bela forma de camuflar a realidade. As palavras ofendem? A realidade também.

Não me entendam mal, uma coisa é dizer idoso em lugar de velho, educação nunca fez mal a ninguém, mas há um certo exagero, esses dias custei a entender quando meu primo disse que tinha um colega invidente, a ficha demorou a cair, tratava-se de um cego. Ops, foi mal. 

É muito irritante também esse sexismo na linguagem, essa coisa enfadonha de professores e professoras, alunos e alunas, brasileiros e brasileiras, trabalhadores e trabalhadoras, ou pior ainda, transgredir a norma inserindo um símbolo de arroba (alun@s) ou um x (alunxs) para dizer que o adjetivo se refere aos dois gêneros. Gênero é uma categoria gramatical, sexo é outra coisa. Isso lembra aquele caso cômico, se não fosse trágico, quando alguém que fez referência aos homo sapiens e às mulheres sapiens em seu discurso populista.

Tem mais? Tem sim... Essas fakes em matéria de linguagem, que são repetidos incansavelmente: “não se deve usar dupla negativa”, “não se diz risco de morte e sim risco de vida”, “não se usa vírgula antes de etc.”, “não se deve usar a expressão espaço de tempo”...  Quanta besteira! A língua não segue a mesma lógica da matemática nem de outras disciplinas, ela tem seus próprios recursos e mecanismos de coerência.

Também é irritante essa ideia de que corrigir o outro é preconceito linguístico. Pior é deixar a pessoa sair falando feito cavernícola “O chefe pediu pra mim fazer um relatório”. É obvio que você não vai chegar feito um árbitro de futebol, apitando e mostrando o cartão vermelho, mas você pode, sutilmente, mostrar o uso correto “ah, ele pediu para eu fazer um também”. Se houver uma relação de confiança, fale francamente, em privado, garanto que seu amigo ficará agradecido. Insultante é fingir-se de morto.

Pronto, por hoje é só. Estou bem mais leve!


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Dúvidas linguísticas relacionadas à grafia de zika, chikungunya, dengue e Aedes aegypti

Uma boa parte dos leitores do blog já deve ter recebido algum pedido para escrever, traduzir ou revisar um texto relacionado à doença zika e aos modos de prevenção. Eu mesma já recebi alguns pedidos de tradução ao espanhol e então surgiram várias dúvidas, é um vocábulo feminino ou masculino? Escreve-se com maiúscula ou minúscula?...

Então hoje veremos algumas questões linguísticas relacionadas a esse tema.

Para início de conversa, há uma polêmica sobre a pronúncia do nome do mosquito “Aedes aegypti”. Vocês devem ter percebido que alguns jornalistas pronunciam “édis” e outros “aédis”. Muitos acreditam, por influência das aulas de latim, que “ae” se pronuncia /e/, tal como ocorre em rosa, rosae /rose/. E alegam que por isso dizemos /egypti/ e não /aegypti/. Mas o caso de Aedes é muito particular. Na verdade, não se trata da velha palavra latina aedes, que significa casa, templo.

O vocábulo, na verdade, é formado com elementos gregos: o prefixo de negação ”a” e o adjetivo ”edús”, que significa agradável, doce. Assim “aedes” significa desagradável, odioso. A pronúncia que separa “a-edes” destaca os elementos formadores, tanto que é comum colocar-se um trema na letra e: Aëdes. Por sua vez, “aegypti”, significa “do Egito” e escreve-se com inicial minúscula porque, na nomenclatura científica, o primeiro elemento deve ser escrito com inicial maiúscula, e o segundo, com minúscula: Aedes aegypti.

Outra polêmica é quanto ao vírus da zika. Em primeiro lugar, não devemos dizer “Zika vírus” isso só faz sentido em inglês; em português, dizemos “vírus da dengue”, “vírus do ebola”, “vírus da zika”, “vírus zika” ou simplesmente o zika.

É também por influência do inglês que se têm escrito o nome da doença em letra maiúscula. Em português, as doenças se escrevem com inicial minúscula: a gripe, a dengue, o câncer, a malária… Assim, a doença é a zika, e o vírus é o zika. (Muita calma nessa hora, logo falaremos da polêmica do uso do “c” em lugar do “k”).

Quanto ao chikungunya, o nome tem origem africana e significa “aqueles que se dobram”. Esse nome foi dado em decorrência de um dos sintomas da doença, a dor nas articulações, que faz com que o paciente fique curvado em virtude da dor. Vale a mesma regra, escreve-se com minúscula, masculino quando se refere ao vírus e feminino quando se refere à doença.

Ai, agora a polêmica sobre as formas aportuguesadas... Alguns dicionários portugueses como o Priberam e o Dicionário da Língua Portuguesa da PortoEditora, estão adotando a forma aportuguesada "zica", mas somente o último adotou a forma "chicungunha". Ainda há muita vacilação quanto as formas aportuguesadas, o jornal brasilero o Correio Brasiliense — usou, na mesma notícia, a forma aportuguesada “zica”, mas manteve “chikungunya”. 

Nesse sentido, limito-me a usar as formas utilizadas pelo Ministério da Saúde e pela OMS, já que é questão de saúde pública; além disso, esses nomes têm origem africana (Zica é uma floresta da Uganda e chikungunya procede do idioma maconde, falado no sudeste da Tanzânia e no norte de Moçambique), ou seja, estamos usando a forma original. Nem sempre a opção aportuguesada tem preferência, experimente procurar a palavra “uísque” na carta de um restaurante, por exemplo.

Convém lembrar também que, em português, na gíria, utiliza-se a palavra "zica" relacionada a um problema, a uma situação ruim, de azar ou de confusão 

Bom, agora que já falamos dos usos em português, vejamos algumas particularidades  do espanhol:
A Fundação do Espanhol Urgente — FUNDEU — recomenda escrever zika com inicial minúscula para referir-se à doença, mas com maiúscula para aludir ao vírus, à febre que produz e ao nome completo da doença: virus/fiebre/enfermedad del Zika.

Além disso, desaconselha escrever virus Zika, sem a preposição, por influência do inglês.
A Ortografia acadêmica estabelece que nas denominações de doenças que incluam nome próprio se mantenha a maiúscula (enfermedad de Parkinson, mal de Alzheimer…); mas acrescente que quando o nome próprio passa por si só a designar a doença, torna-se um nome comum, que deve se escrever com minúscula inicial e submeter-se às regras ortográficas do espanhol: Su padre tenía párkinson; Trabaja en una fundación para la investigación del alzhéimer.

Por outro lado, recomenda manter a grafia original com k, já que a Ortografía acadêmica também aponta a existência de numerosos empréstimos de diversas origens (bikini, kiwi, ukelele, kamikaze…).
Assim, a FUNDÉU afirma que é preferível escrever “la fiebre del Zika”, “casos de zika” ou “el zika” para referir-se à doença. Por outro lado, afirma que é preferível a forma castelhanizada “chikunguña”, mas mantendo o k.

Vejamos a tradução de alguns termos relacionados (português = espanhol):

A zica (doença) = el zica
A chikungunya (doença) = el chikungunya/chikunguña (mas la fiebre chikungunya/chikunguña)
A dengue (doença) = el dengue
Vírus da zica = virus del Zika (virus, sem acento, porque as paroxítonas terminadas em ‘n’ e ‘s’ não se acentuam em espanhol)
Mosquiteiro = mosquitera
Picada = picadura
Roupa comprida = ropa larga
Vestuário = ropa
Pulverizar com inseticida = rociar/impregnar con insecticida
Grávidas = embarazadas
Criadouros = criaderos
Manchas vermelhas = manchas rojas
Coceira = picazón, prurito
Mal-estar = malestar
Microcefalia = microcefalia (é uma palavra heterotônica, isto é, tem pronúncia diferente, em português a sílaba tônica é "li", Microcefalia; em espanhol, a sílaba tônica é "fa", Microcefalia)
Pronto-socorro = hospital de urgencias

Fontes:
http://dicionarioegramatica.com.br/tag/zica-virus/