Hoje de
manhã, eu estava lendo um texto de um tradutor espanhol que é muito irônico e
perspicaz, e ele usou a imagem acima para dizer que é assim que ele imagina o
ChatGPT por trás do autor de alguns artigos acadêmicos. Achei engraçada e
curiosa a analogia, aliás, esse cara tem um dom para achar a imagem mais
pitoresca que você possa imaginar sobre qualquer assunto, só acho que faltou
ele referenciar a fonte. Observei que tinha uma inscrição em alemão antigo, em
escrita gótica, o que atiçou minha curiosidade, já que sou uma eterna estudante
de alemão, e sei que eles tem um humor e uma agudeza muito peculiares.
Fui perguntar ao ChatGPT sobre a origem e o significado dessa gravura. Ele me
explicou que se tratava de uma gravura de Erhard Schön (c. 1530–1535), mais
específicamente Teufels Dudelsack, conhecida em inglês como Devil
playing the bagpipes, e que faz parte da coleção do The British Museum.
Trata-se de uma obra satírica, uma peça de propaganda anticlerical que
criticava o poder corrupto da Igreja Católica no contexto da Reforma
Protestante.
Joguei o
nome da gravura em inglês no Google para confirmar a veracidade da informação e,
de fato, apareceu no site de The British Museum com o nome do autor indicado
pelo ChatGPT. Não contente, pedi para o dito-cujo transcrever literalmente o
texto da gravura e, a seguir, usei o “bom e velho” Google Tradutor para pesquisar
a versão em português. Obviamente deve haver algumas imprecisões na tradução,
já que se trata de texto poético e antigo, mas eu não queria a melhor tradução
do mundo, só queria uma noção aproximada.
O texto
sugere que, antes dos reformadores, o diabo usava os clérigos como instrumentos
para espalhar suas fábulas contos e fantasias e que, agora, isso acabou.
Sinceramente,
logo que vi essa imagem, me veio à mente a metáfora “traduttore-traditore”
(tradutor-traidor), que reflete uma visão cética sobre a tradução ao sugerir
que inevitavelmente há uma perda de significado ou de fidelidade ao traduzir um
texto. Dado que não existe correspondência exata entre idiomas e culturas, a
tradução implica perdas, sim, mas isso não é traição. Traição é usar o texto
alheio para promover as própria ideias ou o próprio estilo.
Num momento
em que a inteligência artificial está no centro das discussões nos grupos de
tradutores nas redes sociais, me incomoda a veemência com que se critica o uso
de tecnologias na tradução, principalmente o uso de inteligência artificial —não
como fim, mas como meio, diga-se de passagem —, mas se esquece que o ego do
tradutor também é um bichinho perigoso que pode levá-lo a subverter o sentido
do original em nome da própria ideologia, ou ainda, sob o pretexto de melhorar
a fluidez ou o estilo. Ou seja, quando se trata de tradução, o mero uso da
inteligência natural não é garantia de idoneidade. Ora intencionalmente, ora
acidentalmente, o tradutor também falha.
Não é minha
intenção aqui defender nem condenar o uso de IA, apenas lembrar que a
tecnologia é uma ferramenta em nossa mão: nós a utilizamos para o bem ou para o
mal. Parafraseando Paracelso, um famoso médico e alquimista alemão da época da
Renascença: “A diferença entre o veneno e o remédio é a dose”.