quarta-feira, 9 de julho de 2014

Entrevista com o tradutor e legendista Salmer Borges




Salmer Borges nasceu em Petrópolis, Rio de Janeiro. Morou durante cerca de 12 anos em países falantes de espanhol, principalmente, no Equador. Ao voltar ao Brasil, em 2005, estudou Letras na Universidade Metodista de São Paulo, fez uma pós-graduação em Tradução e uma pós-graduação em Interpretação Simultânea, na Universidade Gama Filho. É tradutor e intérprete freelancer com 8 anos de experiência. Suas áreas de especialização são: legendagem, tradução corporativa e interpretação simultânea.



Diana - Traduzir legendas fazia parte de seus planos? Como foi que tudo começou?

Salmer - O meu envolvimento com a tradução, como é o caso de muitos tradutores, ocorreu após eu voltar ao Brasil depois de morar muitos anos no exterior, no meu caso, em países falantes de língua espanhola. A primeira oportunidade de tradução escrita que tive, em 2007, foi em tradução para legendas, quando conheci Bruno Murtinho, da 4Estações, por ocasião dos Jogos Pan-americanos, evento em que trabalhei como intérprete consecutivo; eu trabalhava com espanhol e ele com inglês. Nesse mesmo ano, ele começou a me passar alguns trabalhos. O meu processo de aprendizagem ocorreu na prática. Ele me enviou o manual de legendagem da empresa e me dava muitas dicas sobre como traduzir para legendas. Desde o começo, me senti muito atraído pelo mundo da legendagem, e me dediquei muito para poder oferecer um bom trabalho de legendagem. Como costumo dizer nas minhas aulas de pós-graduação em tradução na matéria Legendagem, "nunca vi ninguém que tenha nascido com o dom da legendagem"; portanto, com estudo e dedicação, todos podem desenvolver as habilidades necessárias para oferecer uma tradução para legendas de acordo com as exigências do mercado.



Diana - Quais são as línguas que você traduz e há quanto tempo é tradutor?

Salmer - Eu traduzo do espanhol para o português e do português para o espanhol. Traduzo profissionalmente há 8 anos.



Diana - Em sua opinião, quais são as principais habilidades que um tradutor de legendas deve ter?

Salmer - Para traduzir para legendas, em primeiro lugar, o tradutor deve ter um conhecimento avançado de ambos os idiomas com os quais vai trabalhar. Além disso, uma excelente compreensão auditiva, uma vez que, nem sempre, o tradutor terá um script ou lista de diálogos à sua disposição. Por outro lado, precisa ter um grande domínio do idioma para o qual traduz e ser muito versátil no que diz respeito às suas estruturas morfossintáticas para ser capaz de lidar com problemas específicos da legendagem, oriundos, basicamente, do fato de que o tradutor para legendas sempre está sujeito a duas variáveis: tempo e espaço.



Diana - Quais foram os principais desafios no início da carreira?

Salmer - Como dizia acima, o tempo e o espaço, ou seja, quantos caracteres você pode usar em função de determinado tempo de fala, são os principais desafios de qualquer tradutor que começa a traduzir para legendas. Você traduz determinado trecho, mas, se ficar longo demais em função do tempo disponível, terá que alterá-lo. Este é o grande desafio, desenvolver a capacidade de passar a mesma mensagem de várias formas, seja transformando uma oração desenvolvida em uma oração reduzida, usando um sinônimo com menos caracteres, tirando o vocativo, transformando locuções adverbiais em advérbios, etc. É preciso levar em conta que nem sempre uma boa tradução é uma boa legenda. Você pode traduzir muito bem determinado trecho, porém, se essa tradução não estiver dentro da relação de caracteres por segundo padrão, que é de cerca de 12, não será uma boa legenda.  




Diana - De que você mais gosta em seu trabalho?

Salmer - Como trabalho muito para festivais de cinema, tenho acesso a filmes e documentários que não entram no circuito comercial. Gosto muito de documentários, embora sejam umas das traduções mais difíceis de fazer, e cinema latino-americano. Mesmo que traduzir para legendas não seja aquele mar de rosas que muitos pensam, porque acham que passamos a vida vendo filmes e ganhando dinheiro com isso, gosto muito de trabalhar com a imagem. Em alguns casos, você se diverte; em outros, se descabela; em tantos outros, xinga seu traduzido, mas é um trabalho de que gosto muito.




Diana - E de que menos gosta?

Salmer - No começo, odiava marcar, ou seja, após traduzir, definir os tempos de entrada e saída das legendas na tela, algo que todo tradutor para legendas deve fazer, e fazer bem, o que exige bastante prática até conseguir sincronizar bem todas as legendas. A velocidade das falas e a sobreposição de falas são os eternos obstáculos que o legendista ou legendador deve superar constantemente. 



Diana - Porque os espectadores, de modo geral, costumam implicar tanto com a tradução de legendas?

Salmer - Em primeiro lugar, as legendas são feitas para quem não entende o idioma original. Se você entende, não precisa de legendas. As legendas não são feitas para serem comparadas com o original, e sim para que aquele que não entende o idioma original possa entender a obra.

Porém, muitas vezes, pessoas que entendem, ou acham que entendem, o idioma original da obra audiovisual, comparam o áudio com as legendas, e identificam "erros". Essa percepção pode se dever a vários fatores:
  1. Realmente é um erro de tradução, o que acredito que seja o menos comum.
  2. É padrão do canal. A personagem diz "hijo de puta", e a legenda diz "desgraçado". É impossível que isso seja um erro de tradução, e sim uma exigência do padrão. Alguns canais vetam o uso de palavrões, palavras que possam ofender determinado grupo de pessoas, etc.
  3. "A personagem diz uma coisa, e a legenda diz outra."



Para mim, é o que mais costuma causar essa percepção de "erro". Os tradutores para legendas, como dito acima, estão o tempo todo sujeitos ao tempo e ao espaço; portanto, precisam, muitas vezes, sintetizar as orações, e isso pode causar uma percepção de que a personagem diz uma coisa, e a legenda diz outra. Não traduzimos palavras, e sim ideias. Se as palavras que usamos para transmitir as ideias se equivalem, não se pode dizer que a legenda está "errada". Não existe uma única tradução certa para uma legenda. É possível encontrar varias traduções para um mesmo filme, com certeza, com palavras e orações diferentes, mas, possivelmente, a maioria delas certas.



Diana - Qual foi o trabalho que você mais gostou de fazer e por quê?

Salmer - Já fiz muitos trabalhos de legendagem; portanto, não me lembro de todos os trabalhos que fiz. No nosso trabalho diário, você faz uma tradução, a revisa, manda e parte para outra. Às vezes, vejo um filme e digo: "acho que legendei esse filme". Já aconteceu, inclusive, de procurar nos meus arquivos para ver se traduzi ou não tal filme. Nota: um mesmo filme pode ter muitas legendas diferentes. Eu já traduzi vários filmes de Almodóvar, que, obviamente, em se tratando de filmes nos anos 1990, por exemplo, já têm traduções, mas as legendas possuem direitos autorais, que, normalmente, o tradutor cede à produtora quando entrega o filme. Portanto, se o canal que quiser exibir um filme não possuir um arquivo de legendas para esse filme, precisará pedir sua tradução.

Mas, respondendo à pergunta, recentemente traduzi um filme de que sempre gostei, e adorei que tenham me pedido para legendá-lo: "El Hijo de la Novia". Esse filme é uma obra-prima do cinema argentino.



Diana - Como é sua rotina de trabalho, o seu dia a dia?

Salmer - Como trabalho em casa, assim como quase todos os tradutores, precisamos ter muita disciplina, senão nunca terminaremos nosso trabalho! Costumo trabalhar cerca de 9 horas por dia. Tento não trabalhar mais do que isso para não virar um "escravo" do trabalho. Acordo por volta das 7h40 e faço o que todo mundo faz; depois, dou uma olhada nos e-mails. Se tiver alguma revisão para fazer, procuro fazer logo cedo, com a cuca fresca. Trabalho até mais ou menos 12h45, depois almoço e tento deitar uns 20 minutos, dizem que isso é ótimo para a saúde, e quem sou eu para contestar?! Depois trabalho de 13h30, 13h45 até umas 19h, quando minha esposa chega, e tento não trabalhar depois disso. Quase sempre consigo, mas isso só é possível se você trabalhar com muita disciplina e constância durante o dia. 



Diana - Quais são os seus passatempos quando não está traduzindo?

Salmer - Eu adoro fotografia, sempre que posso, dou uns cliques e leio sobre fotografia. Também gosto de levar uma vida tranquila com minha mulher e meu cachorro. Minha esposa adora cozinhar, então aproveitamos esses momentos para conversar e tomar um vinho, enfim, desfrutar das coisas simples da vida. Fora isso, gosto muito de viajar. Pelo menos uma vez por ano, tento tirar umas boas férias, o que acho fundamental.



Diana - Lembra-se de alguma anedota ou gafe que possa compartilhar?

Salmer - Eu morei muitos anos, cerca de 12, em países falantes de espanhol. Durante esse tempo, convivi essencialmente com o espanhol e praticamente só escrevia em espanhol. Logo que voltei, comecei a traduzir para o português, e cometia bastantes erros de ortografia com palavras similares ou iguais. Frequentemente, escrevia "por tanto", "em fim" e palavras assim em português. Então percebi que precisava estudar português, dediquei-me, e hoje dá pro gasto! Aqui vai uma dica: muitas vezes, as pessoas começam a traduzir porque falam um idioma estrangeiro, na maioria das vezes, porque moraram fora, o que, muitas vezes, dependendo do tempo em que moram fora e como levam a vida no exterior, se em contato ou não com seu idioma natal, faz com que você "esqueça" um pouco o seu próprio idioma ou fique um pouco "contaminado" pelo estrangeiro. Por tanto, ops, portanto, quem pretende traduzir precisa conhecer muito o idioma de chegada, ou seja, para o qual vai traduzir, e não só aquele que aprendeu durante os muitos anos em que morou fora. E isso é muito comum.



Diana - O que ainda gostaria de fazer como tradutor?

Salmer - Não faço só legendagem, também faço tradução "escrita" (legendagem também é escrita, mas costumam chamá-la assim) para empresas, que também gosto muito. Também faço interpretação simultânea, área em que ainda estou crescendo no mercado. Nunca traduzi literatura, e me atrai bastante. Gostaria de ter essa experiência no futuro, mas não agora. Talvez na velhice, quando não tiver mais coordenação para marcar os filmes que traduzo ou não conseguir escutar o que dizem!



Diana - Poderia deixar uma dica para os tradutores principiantes que se interessem pela legendagem?

Salmer - Primeiro, devem fazer um curso de legendagem. Há alguns no mercado. Depois, muita prática e encher o saco das produtoras até conseguir fazer um teste, mas esteja preparado.



Alguns filmes legendados para o português:

Carancho, El Aura, Todo Sobre mi Madre, El Traspatio, Elefante Blanco, Hidalgo, la Historia Jamás Contada, La Mala Educación, La Nana, Las Caras del Diablo, Los Colores de la Montaña, Bolero de Noche, Cansada de Besar Sapos, Música Nocturna, Nicotina, Sin Otoño, Sin Primavera, Solo Dios Sabe, Mientras Duermes, Che, Tesis sobre un Homicidio, Caleuche, Kamchatka, Los Ojos de Julia, Puerta de Hierro, Todos Tenemos un Plan, El Hijo de la Novia, Las Montañas Invisibles, programa Sangue Latino, série Punta Escarlata, novela La Reina del Sur, série Pablo Escobar, el Patrón del Mal.



Alguns filmes legendados para o espanhol:

De Pernas para o Ar, Bruna Surfistinha, Julio Sumiu, A Busca, Dossiê Jango, Jorge Mautner, o Filho do Holocausto, Amor, Plástico e Barulho, Duas Pátrias, Confissões de Adolescente, Dois Amores, Primeiro Dia de Um Ano Qualquer, Tarja Branca, Rock Brasília, Outro Olhar, SOS Mulheres ao Mar, documentário Noel Rosa, programa Mobilização.


Contato: salmerborges@gmail.com

2 comentários:

  1. Hola Diana! Muy buen aporte la entrevista! Subtitulación es algo lo cual no tenía mucha información todavía, entonces para mí ha tenido su valor la información aquí presentada. Un saludo!

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  2. Excelente entrevista. Aprendi um pouco mais sobre legendagem, área que me atrai muito embora, como o Salmer tenha dito, não consiste em passar o tempo assistindo filmes. Deve ter uma dinâmica muito diferente da tradução escrita o que traz um equilibrio interessante ao cotidiano. Gracias, Diana.

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