sexta-feira, 18 de março de 2016

Uso do pronome indefinido “uno” em espanhol


Em espanhol, temos o pronome indefinido “uno”, assim como em alemão temos o “man”. Esse pronome transmite a ideia de uma identidade indeterminada que inclui o locutor, ou seja, equivale a “nós”, ou à expressão coloquial “a gente” em português.

No português medieval, havia a forma “homem”. Said Ali (1921:122) compara “a gente” com essa forma arcaica, salientando que ambos os pronomes se formaram a partir de substantivos, assumindo esse estatuto pronominal devido ao seu uso de agente "vago" e "indeterminado". Acrescenta que: "A gente é usado principalmente na linguagem familiar da atualidade".

Carlos Nougué, na Suma Gramatical da Língua Portuguesa, afirma que, em português, o “um com papel de indeterminador do sujeito sempre foi de uso restrito, e, se se encontra algo abundantemente no Padre Manuel Bernardes (em especial na Nova Floresta), aí está, ao que parece, na qualidade de estrangeirismo (talvez o uno do espanhol).

“Quanto um é mais pobre, tanto tem menos parentes” (P. Manuel Bernardes)

Na frase de Bernardes, um está em lugar do medieval homem ou do se chamado “indeterminador do sujeito”.

Em espanhol, o pronome indefinido uno é perfeitamente formal. Pode usar-se com referência ao eu que fala. Nesse caso, é normal estabelecer a concordância de gênero com a pessoa falante. Assim, se o falante for homem: “Uno ya no sabe en qué crer”, e se for mulher: “Una ya no sabe en qué crer”.

Se a mulher que fala não faz alusão a si mesma, mas ao ser humano em geral, poderá usar o indefinido uno. “En la situación actual, a uno no le queda otro remedio que resignarse”. O pronome reflexivo correspondente é “” “Es fácil si uno está seguro de sí mismo” (Pombo, Metro); Pero uno, a pesar de sí mismo, insiste en hablar con frases cada vez más pretenciosas» (Donoso, Elefantes).

Também atua como elemento reflexivo em orações impessoais: “Convencerse de que morir no es después de todo tan jodido si se muere bien, si se muere sin recelos contra uno mismo” (Benedetti, Primavera). Nesse tipo de orações é preferível não empregar o pronome reflexivo “”, pois este requer um referente específico.

Mais exemplos

El mayor peligro de engañar a los demás está en que uno acaba inevitablemente, por engañarse a sí mismo = O maior perigo de enganar aos outros é que acabamos inevitavelmente, enganando a nós mesmos.

Considero más valiente al que conquista sus deseos que al que conquista a sus enemigos, ya que la victoria más dura es la victoria sobre uno mismo. (Aristóteles) = Considero mais corajoso  aquele que conquista seus desejos do que aquele que conquista seus inimigos, pois a vitória mais difícil é a vitória sobre si mesmo.

Cosas que uno debe saber = Coisas que devemos saber/Coisas que a gente deve saber.

Uno nunca sabe qué esperar del futuro = Nós nunca sabemos o que esperar do futuro/A gente nunca sabe o que esperar do futuro.

Referências:

Diccionario panhispánico de dudas de la RAE.
Suma Gramatical da Língua Portuguesa, de Carlos Nougué.
Gramática Comparada de a gente: variação no Português Europeu, dissertação de mestrado de Sandra Maria de Brito Pereira.

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