segunda-feira, 24 de julho de 2017

Entrevista com a tradutora Karina Jannini


Karina Jannini nasceu em São Paulo, é graduada em Francês e Português pela FFLCH-USP, fez especialização em tradução Alemão-Português, Francês-Português e pós-graduação em Língua e Literatura Italiana pela mesma faculdade. Traduz ficção, ensaios e fascículos de revistas para várias editoras.

Olá, Karina, em primeiro lugar, muito obrigada por aceitar dar esta entrevista, é um imenso prazer tê-la aqui no blog! Para começar, como foi que a tradução entrou em sua vida: por “acidente de percurso” ou você tinha claro que queria ser tradutora?
Karina Jannini – Eu é que agradeço a oportunidade, Diana! A tradução entrou em minha vida quando eu estava cursando a pós-lato sensu em tradução, mas desde o colégio já pensava em ser tradutora. Sempre me interessei por idiomas e me encantava com a ideia de um dia poder trabalhar com isso.

Quais são os idiomas com que trabalha e como surgiu a oportunidade de entrar para o mundo da tradução editorial?
Karina Jannini – Trabalho com alemão, francês e italiano. A oportunidade de entrar para o mundo da tradução editorial surgiu graças a meu professor de alemão na faculdade, João Azenha Jr., que me indicou para a Editora Martins Fontes. Depois disso, nunca mais parei de trabalhar com a tradução de livros.

Acho que todo tradutor literário é um amante dos livros e da literatura e encara o ofício mais como prazer. Por outro lado, não é fácil estabelecer-se nesse mercado, e a maioria dos profissionais acaba conjugando a tradução literária com outras atividades, como a tradução técnica, por exemplo. Você acha que é possível viver exclusivamente da tradução editorial no Brasil?
Karina Jannini – Houve um tempo em que consegui viver apenas de tradução literária. Havia mais demanda por parte das editoras, e o fato de eu trabalhar com mais de uma língua também me ajudou. Hoje está muito mais difícil e, paralelamente à tradução, dou aulas particulares de idiomas. É uma pena que a tradução literária não possa ser considerada uma profissão de dedicação exclusiva, pois exige muita pesquisa por parte do tradutor.


Conheci seu trabalho através do livro Quando finalmente voltará a ser como nunca foi, de Joachim Meyerhoff. Fale-nos um pouco dessa experiência e do processo tradutório, quais foram os primeiros passos antes de iniciar a tradução?
Karina Jannini – Gostei muito de traduzir esse livro. Não conhecia o autor e me identifiquei logo de início com seu estilo. Como ocorre na maioria das vezes, não tive tempo de ler o livro inteiro antes de começar a traduzi-lo, mas tive a oportunidade de apresentar alguns trechos do meu trabalho em uma oficina de tradução alemão-português e discutir algumas dúvidas com outros colegas tradutores. Esse feedback foi muito importante na hora de fazer algumas escolhas, sobretudo quanto ao tom que daria ao texto em português.

Sentiu-se pressionada pelo fato de ser uma obra premiada ou tentou não pensar nisso? Você teve algum contato com o autor?
Karina Jannini – Não, não me senti pressionada e não tive contato com o autor.

Quando li sua tradução, chamou minha atenção o fato de você privilegiar a norma culta, ainda nos trechos narrados pelo olhar de uma criança, além disso, você empregou as famigeradas notas de rodapé. Identifico-me com suas escolhas, pois acredito que acrescentaram qualidade ao resultado final. Você poderia justificar sua postura?
Karina Jannini – Embora o texto seja narrado da perspectiva de uma criança, a linguagem no original é de um adulto. Procuro sempre usar a norma culta quando não há nada que sugira o contrário no original. A língua escrita é diferente da falada, tem regras próprias para ser entendida porque não conta com a expressão facial, a gestualidade e a entonação de que dispomos na fala. Mesmo quando o texto de partida convida o tradutor a trazer a oralidade para a escrita, há um limite a ser respeitado para que o texto possa ser compreendido pelo leitor. Quanto às notas de rodapé, as editoras costumam exigir parcimônia dos tradutores, para que o texto não fique muito “poluído”. No entanto, em casos como o texto de Meyerhoff, em que há muitas referências culturais, as notas ajudam a elucidar o contexto e aproximar o leitor do ambiente em que se passa a história.


Tenho a impressão de que você é bastante perfeccionista. Estou certa? Você acha que isso atrapalha ou ajuda? Você leu sua tradução novamente depois de publicada? Ficou satisfeita com o resultado?
Karina Jannini – Sim, sou perfeccionista e acho que essa é uma característica de todo tradutor de textos escritos, principalmente literários, pois, ao contrário de um tradutor intérprete, por exemplo, temos a oportunidade de conviver mais tempo com o texto de partida. A tradução de um livro requer várias leituras, e nosso olhar muda a cada uma delas. Muitas vezes, a solução que achamos eficaz na primeira versão sofre alterações ao longo do trabalho e já não parece tão boa no final. É um processo de amadurecimento. Evito ler a tradução depois de publicada porque sempre me decepciono e encontro alguma solução melhor que não me ocorreu enquanto estava traduzindo. É uma sensação desagradável, geralmente acompanhada por um frio na barriga, que talvez seja um efeito colateral do perfeccionismo. Por outro lado, esse mal-estar me faz pensar que a tradução é uma atividade sempre aberta a novas leituras e soluções, e é isso que nos faz aprender e avançar.

Como se organiza quando está traduzindo uma obra, você tem uma meta de palavras ou horas diárias? E o que faz para relaxar durante um trabalho difícil?
Karina Jannini – Como cada texto apresenta uma dificuldade diferente, no início do trabalho costumo traduzir algumas páginas para ter uma ideia de quanto vou conseguir produzir por dia e, a partir disso, faço minha programação mensal. Por trabalhar em casa, procuro ser disciplinada. Gosto de começar o expediente cedo, mas geralmente não tenho hora certa para terminar. Para conseguir passar muitas horas na frente do computador, pratico natação pelo menos três vezes por semana. É um esporte que me ajuda não apenas com as dores na coluna, mas também a espairecer quando tenho um trabalho muito difícil pela frente. 

Diana - Você poderia comentar alguma dificuldade de tradução que tenha tirado seu sono neste livro em particular?
Karina Jannini – De modo geral, e não apenas neste livro, a principal dificuldade que encontro quando traduzo do alemão refere-se à sintaxe, que é muito diferente do português. Frases longas, com muitos incisos, são comuns em alemão, mas nem sempre podem ser transportadas para o português com a mesma estrutura. É um verdadeiro quebra-cabeça. O tradutor se vê diante do dilema de manter-se fiel ao original, mas produzir um texto artificial, ou desmontar essas superestruturas e tornar o texto de chegada mais espontâneo. Nessas horas, o bom senso é a regra.

Diana – Ao lidar com uma trama tão envolvente e íntima, que aflora sensibilidade, você se emocionou? Foi difícil desligar-se das personagens ao terminar a tradução?
Karina Jannini – Sim, muitas vezes me emociono com o que leio e espero conseguir transmitir a mesma emoção na tradução. Algumas vezes até sonho com as histórias que estou traduzindo. Porém, como costumo trabalhar com mais de um texto simultaneamente, não consigo reter os detalhes por muito tempo.

Diana – Do que você mais gosta no seu trabalho e quais são suas ambições?
Karina Jannini – O que mais gosto na tradução é a possibilidade de conhecer várias histórias, trabalhar com diversos tipos de texto, aprender e estudar sempre, conhecer mundos completamente diferentes e tentar trazê-los para a minha realidade. Não tenho ambições, apenas o desejo de poder continuar fazendo esse trabalho e, se possível, traduzir livros que me encantam, mas continuam desconhecidos do público brasileiro.

Diana – Para finalizar, qual seria sua dica para aqueles que pretendem se dedicar à tradução editorial?
Karina Jannini – Em primeiro lugar, aconselho que se dediquem a mais de uma língua estrangeira, pois é muito difícil viver de tradução literária dominando apenas um idioma, mesmo quando se trata dos mais procurados, como o inglês e o espanhol. Versatilidade é fundamental. Em segundo, ter curiosidade, muita leitura e se interessar por diversos temas. A tradução é uma caixinha de surpresas. Quando menos esperamos, deparamos com um texto que traz um vocabulário ou tema que nunca imaginaríamos traduzir um dia.

Obrigada mais uma vez, Karina, e parabéns pelo excelente trabalho!

Eu é que agradeço a oportunidade!


Obras traduzidas:

Alemão-português:
Asmus, Sylvia & Eckl, Marlen (orgs.). “... olhando mais para frente do que para trás...” – O exílio de língua alemã no Brasil 1933-1945 (publicação bilíngue). Berlim, Hentrich & Hentrich, 2013.

Barreau, Nicolas. O sorriso das mulheres. Campinas, Verus, 2013.

Biallowons, Simon. Francisco – o papa do povo. São Paulo, Pensamento, 2013.
           
Dahlke, Rüdiger. Minhas melhores dicas de saúde – manual prático de qualidade de vida. São Paulo, Cultrix, 2012.

Dahlke, Rüdiger & Kaesemann, Vera. A doença como linguagem da psique infantil. São Paulo, Pensamento-Cultrix, 2014.

Dobelli, Rolf. A arte de pensar claramente – como evitar as armadilhas do pensamento e tomar decisões de forma mais eficaz. Rio de Janeiro, Objetiva, 2013.

Enders, Giulia. O discreto charme do intestino. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2015.

Frutiger, Adrian. Sinais e símbolos – Desenho, projeto e significado. São Paulo, Martins Fontes, 1999.

Fürst, Alfons (org.). Paz na Terra? As religiões universais entre a renúncia e a disposição à violência. Aparecida (SP), Ideias & Letras, 2009.

Goga, Susanne. Mistério em Chalk Hill. São Paulo, Pensamento-Cultrix/Jangada, 2017.

Habermas, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo, Martins Fontes, 2004.

Haug, Wolfgang Fritz. Considerações extemporâneas sobre o Manifesto Comunista. In: Estudos Avançados. São Paulo, Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, 1998. v. 12, n. 34, pp. 73-76.

Hochuli, Jost. O detalhe na tipografia. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2013.
           
Jellouschek, Hans. Espelho, espelho nosso – encontros e desencontros refletidos em contos de fadas e mitos. Campinas, Verus, 2013.

Landeweer, Gert Groot. Introdução à terapia craniossacral – Manual prático para desfazer os bloqueios do seu corpo. São Paulo, Cultrix, 2013.

Meyerhoff, Joachim. Quando finalmente voltará a ser como nunca foi. Rio de Janeiro, Valentina, 2016.
           
Neuhaus, Nele. Branca de Neve tem que morrer. São Paulo, Jangada, 2012.
______. Lobo mau. São Paulo, Jangada, 2014.

Nietzsche, Friedrich. Sabedoria para depois de amanhã. São Paulo, Martins Fontes, 2005.

Nöstlinger, Christine. Konrad – O menino da lata. São Paulo, Biruta, 2013.

Pauli, Lorenz. Pode levar! São Paulo, Biruta, 2013.

Raabe, Melanie. Armadilha. São Paulo, Pensamento-Cultrix/Jangada, 2016.

Reemtsma, Jan Philipp. Memórias de um sequestrado. São Paulo, Martins Fontes, 1999.

Scheunemann, Frauke. Hércules: o cupido de quatro patas. São Paulo, Jangada, 2013. [Tradução realizada em parceria com Cristiano Zwiesele do Amaral.]

Schopenhauer, Arthur. A arte de insultar. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
______. Fragmentos sobre a história da filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2007.
______. A arte de envelhecer ou Senilia. São Paulo, Martins Fontes, 2012.
______. Sobre a morte. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2013.

Spyri, Johanna. Heidi – a menina dos Alpes, volume 1: tempo de viajar e aprender. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2016.
______. Heidi – a menina dos Alpes, volume 2: tempo de usar o que aprendeu. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2016.

Stamm, Peter. Agnes. São Paulo, Berlendis & Vertecchia Editores, 2002.

Steinhöfel, Andreas. Rico e Oskar – mistério e macarrão. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2013.

Ullrich, Volker. Adolf Hitler. Volume 1: Os anos de ascensão – 1889-1939. São Paulo, Amarilys, caps. 18-21, 2016.

Wahrig-Burfeind, Renate (org.). Wahrig. Dicionário semibilíngue para brasileiros – Alemão. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2011.

Zimmer, Robert. O portal da filosofia – Uma breve leitura de obras fundamentais da filosofia. Volume 2. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2014 (tradução feita em parceria com Rita de Cássia Machado).

Francês-português:
Aviões de combate a jato. São Paulo, Editora Planeta DeAgostini do Brasil, 2011.

Banham, Reyner. Los Angeles – A arquitetura de quatro ecologias. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2013. (Tradução da biografia e dos anexos.)

Bourdin, Françoise. Mensagem no jardim. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2009.

Duquesne, Jacques. Maria – A mãe de Jesus. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005.

Demurger, Alain. Os templários – Uma cavalaria cristã na Idade Média. Rio de Janeiro, Difel, 2007.

Encrevé, Pierre & Lagrave, Rose-Marie (orgs.). Trabalhar com Bourdieu. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005.

Ferry, Luc. O que é uma vida bem-sucedida? Rio de Janeiro, Difel, 2004.
_____. Kant – Uma leitura das três “Críticas”. Rio de Janeiro, Difel, 2009.
_____. Diante da crise. Materiais para uma política de civilização. Rio de Janeiro, Difel, 2010.

Lœvenbruck, Henry. O testamento dos séculos. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2009.

Moser, Walter. Estudos literários, estudos culturais: reposicionamentos. In: Literatura e sociedade. São Paulo, Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1998. n. 3, pp. 62-76.

Vial, Claude. Vocabulário da Grécia antiga. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2013.

Wiesel, Elie. O caso Sonderberg. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2010.

Italiano-português:
Ammaniti, Niccolò. Como Deus manda. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2009.

Barelli, Ettore & Pennacchietti, Sergio (orgs.). Dicionário das citações. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

Bassani, Giorgio. Os óculos de ouro. São Paulo, Berlendis & Vertecchia Editores, 2002.

Betti, Emilio. Interpretação das leis e dos atos jurídicos. São Paulo, Martins Fontes, 2007.

Bosco, Federica. Sou louca por você. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2010.

Coleção Smurfs. São Paulo, Editora Planeta DeAgostini do Brasil, 2013, fascículos 1 a 5.

Construa e pilote Lamborghini Reventón – radiocontrolada e com motor de explosão, escala 1:10. São Paulo, Editora Planeta DeAgostini do Brasil, 2012, fascículos 21 a 65.

D’Adamo, Francesco. A história de Iqbal. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2016.

D’Aragona, Tullia. Sobre a infinidade do amor. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

D’Avenia, Alessandro. O que o inferno não é. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2017.

Forgione, Francesco. Máfia Export. Como a ’Ndrangheta, a Cosa Nostra e a Camorra colonizaram o mundo. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2011.

Fusini, Nadia. Sou dona da minha alma. O segredo de Virginia Woolf. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2010.

Maffettone, Sebastiano & Veca, Salvatore (orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. São Paulo, Martins Fontes, 2005.

Saniee, Parinoush. Escondi minha voz. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2017.

Prodi, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo, Martins Fontes, 2005.

Volpi, Franco. Introdução. In: Schopenhauer, Arthur. A arte de se fazer respeitar ou o tratado sobre a honra. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
_____. Introdução. In: Schopenhauer, Arthur. A arte de lidar com as mulheres. São Paulo, Martins Fontes, 2004.


Wolf, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo, Martins Fontes, 2003.

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