terça-feira, 23 de agosto de 2016

Brasileirismos

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Para quem traduz do português do Brasil ao espanhol, uma das grandes dificuldades são os brasileirismos, isto é, marcas lexicais, semânticas e até mesmo sintáticas que diferenciam o português brasileiro do português lusitano e que traduzem um universo de mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, de mais de 500 anos de história, de nossa natureza exuberante, a fauna, flora e geográfica, a miscigenação de diversas raças na formação do povo brasileiro e os costumes e manifestações culturais.

Neste artigo, vamos ater-nos aos brasileirismos mais evidentes, os do âmbito lexical. Da convivência com as línguas indígenas, destacam-se os tupinismos, brasileirismos que derivam diretamente do tupi-guarani, seja mediante sufixos que funcionam como adjetivos, qualificando o substantivo ao qual se ligam como, por exemplo, o sufixo ‘-açu’ que significa grande, itaguaçu (pedra grande), babaçu (palmeira grande); ou o sufixo ‘-mirim’, que significa pequeno, abatimirim (arroz miúdo), Mojimirim, cajá-mirim, etc.

Observamos tupinismos também em toponímicos como ‘carioca’, que significa casa do homem branco (caraíba + oca), Ipanema, Tijuca; em nomes e sobrenomes, Araci, Jandaia; elementos da fauna e flora como cupim, mandioca, abacaxi; na alimentação, em palavras como aaru (espécie de bolo que os nhambiquaras preparam com tatu moqueado, triturado em pilão e misturado com farinha de mandioca); em nomes de utensílios como moquém (grelha de varas para secar carne ou peixe); em nomes de fenômenos da natureza como a pororoca (grande onda que ocorre, em certas épocas, em rios muito volumosos, especialmente no Amazonas e que destrói tudo que encontra à sua passagem, causando grande estrondo e formando atrás de si ondas menores), deriva do tupi poro'roka, que significa estrondo; igarapé pequena corrente de água entre ilhas ou trechos de um rio ( ï'ara 'canoa' + 'pe 'caminho'), etc.

Ao lado das línguas indígenas e da língua portuguesa, convivemos também, com africanismos derivados de línguas africanas, principalmente as do grupo banto (quimbundo) e sudanês (ioruba ou nagô), faladas por uma população escrava. A influência africana na cultura nacional foi mais profunda que a indígena, provavelmente, devido à convivência que existia entre brancos e negros, que trabalhavam no interior das casas como cozinheiras, arrumadeiras, a presença da mãe-preta, a ama de leite e das crianças no convívio diário nas casas grandes. Fato que não se deu com o indígena.

Observamos influência africana no léxico brasileiro principalmente na alimentação, religião, manifestações culturais, etc. buzo (búzio), candomblê,  caçula, mungunzá (canjica),  cafuné (do quimbundo, uma língua da Angola, que originariamente significa "tomar a cabeça de alguém e torcê-la", mas que depois tomou o significado de coçar a cabeça de alguém com delicadeza, fazer um mimo, um carinho), etc. Além da influência no léxico, daqui resultaram várias influências no falar brasileiro a que se podem atribuir os seguintes fenômenos de fonética: ensurdecimento e queda do r final; redução de nd a n nos gerúndios; queda ou vocalização do l final; alguns casos de epêntese (por exemplo, fulô por flor ou quelaro por claro); etc.

Há também casos em que a cultura indígena e a afro-brasileira se fundem como é o caso do termo caruru, de origem indígena — ca-á-ruru — que representa uma espécie da flora brasileira, enquanto a iguaria com ela preparada e acrescida de outros ingredientes como o dendê, o camarão, entre outros, pertence à culinária afro-brasileira.

Além da influência indígena e africana no léxico do português brasileiro, temos também a influência de imigrantes italianos, espanhóis, alemães, árabes e japoneses. E ainda das invasões holandesas e francesas após a colonização portuguesa.

Há outros brasileirismos aparentes que não passam de formas dialetais portuguesas, oriundas das regiões que forneceram os colonos para o Brasil, como os Açores e as várias províncias portuguesas. O resultado foi prosa em vez de conversa ou salvar por saudar (ou dar a salvação, como ainda se diz em algumas regiões de Portugal). A influência açoriana é bem visível em Santa Catarina, por exemplo, em Florianópolis, no falar peculiar do “manezinho da ilha” conhecido informalmente como “manezês” e em diversas manifestações culturais como a renda de bilro; na literatura em quadrinhas e o pão de Deus, na gastronomia e em danças e folguedos como o do boi mamão.

Como acontece em todas as línguas transportadas de sua origem a outras paragens, o português brasileiro apresenta alguns termos arcaicos e um vocabulário que já foi esquecido no país de origem e que aqui se mantém vivo. São exemplos: reinar por fazer travessuras; função por baile; faceiro no sentido de peralta; aéreo no sentido de perplexo. Também palavras novas que designam novos objetos, invenções, técnicas, etc, e que têm uma formação distinta da que se verificou em Portugal. São exemplos ônibus por oposição a autocarrotrem por oposição a comboiobonde por oposição a eléctrico ou aeromoça por oposição a assistente de bordo.

E os brasileirismos semânticos, palavras que, sem perderem o seu significado tradicional, enriqueceram-se com uma ou mais acepções novas no Brasil. Por exemplo, virar também significa transformar-se em e prosa é também utilizado com o sentido de loquazconversador.
Alguns regionalismos derivam de contato com os países vizinhos como, por exemplo, “matambre”, forma sincopada de “matahambre”, vocábulo corrente na região do Rio da Prata, definido como capa de carne que se encontra entre o couro e as costelas do gado bovino. Ou vocábulos como peleia, melena, macanudo, entrevero, presentes no dialeto gaúcho, influenciado principalmente pelo castelhano, italiano e alemão.

Além da influência de outras línguas, o português brasileiro vai criando e incorporando vocábulos próprios que traduzem nossa realidade social, política, cultural, comportamental, regional, etc., como por exemplo, “motoqueiro”, “frentista”, “boia-fria”, “edícula”, “favela”, “sertão”, “retirante”, “colarinho-branco”, “ficha-limpa”, “blitz”, “bafômetro”, "vestibular", "medalhar" (ser premiado com medalha), etc. Alguns neologismos têm vida curta, enquanto outros acabam sendo recolhidos e reconhecidos pelos dicionários.

Como proceder ao traduzir um brasileirismo?

Como se trata de uma palavra peculiar e inerente ao português do Brasil, acredito que o tradutor não deva descaracterizá-lo, por isso, uma boa opção seria conservar o termo no original, acompanhado de uma breve explicação.

pt.wikipedia.org
culturaacoriana.blogspot.com
Brasileirismos e regionalismos, de Ana Maria Pinto Pires de Oliveira
A presença de africanismos na língua portuguesa do Brasil, de Ana Paula Puzzinato e Vanderci de Andrade Aguilera.
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 3.0
www.ciberduvidas.iscte-iul.pt
http://www.dicionarioetimologico.com.br/cafune/

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