quinta-feira, 16 de março de 2017

Por que aprender espanhol

Quando pensei em escrever este texto, procurei inspiração num texto de Ítalo Calvino chamado Por que ler os clássicos, no qual o autor habilmente consegue despertar a atenção do leitor com a simples justificativa de que ler os clássicos é melhor do que não ler...

Seguindo essa linha, eu podia simplesmente dizer que falar duas línguas é melhor que falar uma só, mas por quê?

Quando aprendi o português, não aprendi somente um código, um conjunto de palavras e combinações, aprendi a ver o mundo a partir dos olhos de um brasileiro, conheci um mundo novo repleto de aventuras e desventuras: navegações, desbravamentos, miscigenações, revoltas que culminaram num povo autêntico e único. Aprendi a viver, a pensar, a sonhar como um brasileiro. Conheci um universo de músicas, ritmos, textos, sabores, sotaques, folclore, paisagens, arte. Enfim: só ganhei! (veja também: Como aprendi o português).

E o mais incrível foi que, aprendendo sobre a língua portuguesa, aprendi mais sobre a língua espanhola; aprendendo sobre o Brasil, aprendi mais sobre a Espanha; e aprendendo sobre os brasileiros, aprendi mais sobre os espanhóis, tudo isso porque só conhecemos a nós mesmos através dos outros, é a relação com o outro que nos define.

Mas não é minha intenção fazer filosofia, minha intenção é convidá-los a ampliarem seus mundos. O Brasil está rodeado de países hispano-falantes dos quais sabemos muito pouco; fazemos fronteira com dez países e vivemos isolados em nosso mundinho. Como podemos almejar uma liderança regional ignorando nossos vizinhos? Uma das principais habilidades do líder é ser um bom comunicador, mas como ter uma boa comunicação com nossos vizinhos se não estamos interessados em aprender sua língua?

Não é a lei da educação que tem que mudar, é a nossa atitude.

Quando cheguei ao Brasil tive medo, saí de minha zona de conforto. Fui “jogada” na quinta série sem saber falar português. Eu tinha somente nove anos e me senti mais perdida que cachorro quando cai do caminhão de mudança, mas aos poucos fui me arriscando, estabelecendo contato, vencendo meus preconceitos, fui me integrando, fui me envolvendo e quando vi... Pronto! Eu queria ser brasileira! E o tempo foi passando, e o meu sonho de ser zoóloga e de poder me comunicar com os animais acabou substituído pela profissão de tradutora e pelo desafio de me comunicar com os homens ;-)

A propósito, sabe aquela expressão de “perdido como cachorro que cai do caminhão de mudança”? Pois na Espanha se diz “perdido como un turco en la neblina?” a origem dessa expressão é na verdade uma deturpação. Na Espanha, durante muito tempo, a bebedeira foi vinculada aos turcos, acusados de infiéis e de não serem tocados pela água benta, daí que o vinho sem adição de água fosse chamado de vino turco. Com o tempo, a expressão  tener una turca passou a ser sinônimo de estar bêbado; e por extensão, turca, passou a significar bebedeira. Então, imagine um bêbado perdido na neblina...

Você sabia disso? Não? E sabia que o Brasil pertenceu durante sessenta anos (1580-1640) à Coroa espanhola, unida à de Portugal no reinado do rei Felipe II? Pois é, a presença do hispano no Brasil é bem maior do que podemos imaginar...

Vivemos num mundo globalizado onde língua é cultura, cultura é conhecimento, conhecimento é poder, e poder é liberdade.

Mas se meus argumentos não são bons o suficiente, vamos às cifras:

  • Em 2015, quase 470 milhões de pessoas tinham o espanhol como língua materna. Por sua vez, o grupo de usuários potenciais de espanhol no mundo (grupo de domínio nativo, grupo de competência limitada e o grupo de aprendizes de língua estrangeira) chegava a quase 559 milhões.
  • O espanhol é o segundo idioma de comunicação internacional.
  • É a segunda língua materna do mundo por número de falantes, atrás do chinês mandarim.
  • Mais de 21 milhões de alunos estudam espanhol como língua estrangeira.
  • Nos Estados Unidos, 41 milhões de pessoas falam espanhol de forma nativa e 11,6 milhões são bilíngues.
  • Em países como o Brasil, onde não há muitos profissionais que falam mais de um idioma, o domínio de outra língua pode aumentar consideravelmente as chances de emprego e até mesmo o salário.

Isso sem falar no acesso ao vasto e inestimável acervo artístico e cultural hispano-americano.

Então, respondendo à pergunta que abriu este texto: Por que aprender espanhol?

“Por que não encontro nenhuma boa razão para não aprender!”




2 comentários:

  1. Muito Bom!
    Razões tem um monte, pena que quase a única que impulsa as pessoas para aprender espanhol é ter mais uma competência para colocar no seu Currículo.
    Mas concordo plenamente com a reflexão final:
    Por que não?

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    1. Obrigada, Claudio, acabei de dar uma olhada em sua página e deparei com o "argenchino desenvolvedor", muito engraçado ;-)))
      Gostei!

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