segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Crônica do "amigo secreto"





Nada como a proximidade do fim do ano para provocar uma infinidade de ‘déjà vu’, essa sensação de ter vivenciado algo previamente. Se você é daqueles que não acha a mínima graça na brincadeira do “amigo secreto” feita todo ano na empresa, você sabe do que estou falando. Provavelmente tenha algo a ver com o fato de estar chegando perto dos 40, mas, fala sério? Serei só eu que penso assim?

Você escuta alguns cochichos… “blá, blá, blá,… secreto” e já se arrepia?

Todo ano é a mesma coisa, algum infeliz tem a brilhante ideia “vamos fazer um amigo secreto?” e você dá aquele sorriso amarelo tipo “fazer o quê, né?”. Você nem cogita a possibilidade de dizer que não quer participar, pois ainda se lembra do triste fim de Francisco Quaresma que cometeu essa ousadia e logo veio a enxurrada de perguntas: por quê? por quê?, a seguir veio a morte social e, por último, o afastamento para tratamento psicológico. — Um verdadeiro Judas Iscariotes, se achava melhor que os outros, não podia ver ninguém feliz! — são os rumores que ecoam até hoje pelos corredores da corporação.

O “amigo secreto” na empresa é uma bizarrice sem tamanho digna de um romance kafkiano. Primeiro aquele sorteio bisonho que tem de ser repetido inúmeras vezes porque “tirei a mim mesmo”.

Depois o suspense… (música do filme de Alfred Hitchcock, sim aquela da cena da faca no chuveiro). “Filha da %&#@”, peguei o chefe”. E agora, não tem meio termo, ou você será rotulado de “puxa-saco” ou “mão-de-vaca”, se prepare. Ou então você pega aquele colega que simplesmente não engole e fica com mais essa façanha entalada na garganta.

A seguir vem aquela infindável discussão sobre o valor do presente, afinal, é apenas uma lembrancinha, mas também não pode ser um valor muito baixo que não dê para comprar nada… Discussões apaixonadas sobre o peso no orçamento doméstico, ainda mais com a proximidade do Natal, blá, blá, blá.

Depois, uma das partes mais absurdas: “Vamos passar uma listinha dizendo o que gostaríamos de ganhar”. Que ideia brilhante não? Nada como um “amigo secreto” com presente escolhido a dedo: o perfume “brogodó” do “Bolinário”, se é que vocês me entendem… Ou então, um chinelinho branco com florezinhas vermelhas da “Babaiana”, sacaram?
Meu amigo, porque você não pega seu dinheirinho e vai lá na loja e compra seu presentinho você mesmo?

Ou então, o filho da mãe, coloca um verdadeiro enigma para você decifrar: “gostaria de ganhar algo místico”, tira logo um Coelho da cartola, se é que você me entende…

A melhor parte vem depois (novamente a musiquinha sinistra de fundo): A revelação!, o “gran finale” apoteótico em que você precisa ir lá, na frente de toda a empresa, e soltar uma dica sobre quem é seu amigo secreto.

Mas não basta dar uma dica qualquer. Não, não pode ser aquele manjado e famigerado “meu amigo secreto tem dois olhos, o nariz no meio da cara…” tem de ser uma frase criativa, engraçadinha, perspicaz, de preferência em dois quartetos e dois tercetos, com rimas intercaladas, algo digno das esfinges do Egito, algo que resuma sua inteligência e vivacidade, que revele suas competências, algo digno de ser incluído na cápsula do tempo da Petrobrás para ser lido daqui a 10 anos!

Ninguém merece!


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