segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Receita de sonho




Este fim de semana aproveitei minha folga para fazer umas experiências na cozinha… mais especificamente a receita de sonho da "tia Lelé" @bolosdalefoz (Instagram). Vocês não tem noção da responsabilidade que isso representa!  

Felizmente deu tudo certo, e o resultado superou minha expectativas.  Assim, para começar a semana com muita inspiração, deixo aqui o registro da minha experiência culinária, desejando a todos que saboreiem seus sonhos, pois ainda que muitas vezes não se concretizem, são eles que nos movem! 

Para aproveitar o ensejo, deixo aqui algumas curiosidades e a tradução da receita ao espanhol:                                                                                                                                                                  

En España se llaman “suizos” o “berlinesas”; en Paraguay, “bollos”; en Argentina y Uruguay se conocen como “bolas de fraile”, “suspiros de monja” o “buñuelos y existen variantes con rellenos de dulce de leche, dulce de membrillo o crema pastelera. En Chile se denominan “berlines” y se rellenan principalmente con crema pastelera o mermelada de membrillo. En Venezuela se les llama “bombas”. El nombre más bonito, en mi opinión, se le ha dado en portugués, no sé si originalmente en Brasil o en Portugal: “sonhos”, es decir, sueños. Suena bien, ¿no? 

MASA 

1 sobre de levadura seca (45 g) 

2 huevos  

1 yema 

2 cucharadas de mantequilla o margarina 

250 ml de leche templada 

1 pizca de sal 

¼ de taza de azúcar 

1 cucharita de esencia de vainilla 

500 g de harina de trigo 

Aceite de girasol o soja para freír 

 

CREMA 

750 ml de leche 

2 yemas tamizadas 

6 cucharadas de harina de trigo 

1 caja o lata de leche condensada 

Esencia de vainilla a gusto 

 

Disuelve bien la harina en la leche fría con una varilla de batir, incorpora la leche condensada, las yemas y la vainilla y ponla en fuego lento, removiendo constantemente hasta que quede bien espesa. 

PREPARACIÓN 

Bate en la licuadora todos los ingredientes, excepto la harina.  

En un bol incorpora la harina, poco a poco, hasta que se vaya despegando de las manos.  

Echa un poco de harina sobre la mesa y amasa la mezcla un buen rato, nunca es demasiado. Echa la harina, poco a poco, solo para que la masa no se te pegue a las manos. No se debe echar demasiada harina para que no quede una masa pesada. 

Cuando la mezcla quede bien uniforme, cúbrela con un paño de cocina limpio y déjala reposar en un lugar cálido.  

Cuando haya doblado en volumen, espolvorea una mesa con harina y moldea las bolitas y ponlas sobre una superficie espolvoreada con harina para que no se peguen, y deja espacio entre ellas porque van a fermentar y crecer.  Ojo, ¡no dejes que crezcan demasiado!

Fríelas en aceite, no demasiado caliente. 

Dales la vuelta hasta que estén bien doradas, que queden más bien morenitas por ambos lados. Empújalas hacia abajo cuando les des la vuelta para lograr un bronceadito más parejo.  

Cuando estén bien doraditas, échalas en un bol con azúcar glas mezclado con canela y espolvoréalas bien. 

Una vez que hayas freído y espolvoreado todos los bollos con la mezcla de azúcar y canela, córtalos y rellénalos con la crema pastelera. Para rellenar puede usar una cuchara o una manga confitera. También puedes usar dulce de leche como relleno.

 

MASSA 

1 embalagem de fermento seco (45 g) 

2 ovos  

1 gema 

2 colheres de sopa de margarina 

250 ml de leite morno 

1 pitada de sal 

¼ de xícara de açúcar 

1 colher de café de essência de baunilha 

500 g de farinha de trigo 

Óleo de girassol ou soja para fritar 

 

CREME 

750 ml de leite 

2 gemas peneiradas 

6 colheres de sopa de farinha de trigo 

1 caixa ou lata de leite condensado 

Essência de baunilha a gosto 

 

Dissolva bem a farinha no leite frio com um batedor de ovos, acrescente o leite condensado, as gemas e a baunilha e leve ao fogo baixo, mexendo sempre até ficar bem espesso. 

PREPARO 

Bata no liquidificador todos os ingredientes, exceto a farinha.  

Em uma bacia, acrescente a farinha, aos poucos, até desgrudar das mãos.  

Polvilhe uma mesa com um pouco de farinha e amasse a mistura durante um bom tempo, nunca é demais. Acrescente farinha, aos poucos, somente para a massa não grudar nas mãos. Não se deve colocar muita farinha para que a massa não fique pesada. 

Assim que a mistura ficar bem uniforme, cubra-a com um prato de cozinha limpo e deixe-a descansar num lugar abafado.  

Quanto tenha dobrado de volume, polvilhe uma mesa com farinha, modele as bolinhas e coloque-as sobre una superfície polvilhada com farinha para não grudar, deixando espaço entre elas porque vão fermentar e crescer.  Cuidado para não deixar crescer demais!

Frite-as bolinhas no óleo, não muito quente. 

Vá virando-as até ficarem bem douradas, bem moreninhas de ambos os lados. Empurre-as para baixo com a escumadeira, para conseguir uma cor mais uniforme.  

Cuando estiverem bem douradas, jogue-as num recipiente com açúcar refinado e canela e polvilhe-as bem. 

Uma vez fritos e polvilhados com açúcar e canela, corte os sonhos e recheie-os com o creme de confeiteiro. Para recheá-los, use uma colher ou um saco de confeiteiro. Você também pode usar doce de leite para recheá-los.

Para ver mais sobre tradução de receitas e cardápios, clique aqui.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

La milana bonita


Estou dando uma passadinha rápida por aqui para deixar uma dica àqueles que apreciam conteúdo de qualidade sobre obras literárias. Desta vez, a dica é de uma página com resenhas e podcast em espanhol.

La milana bonita — cujo nome é uma homenagem à obra Los santos inocentes, do escritor espanhol Miguel Delibes —, é um programa radiofônico em espanhol, um podcast de incentivo à leitura em que, a cada semana, são analisados diferentes clássicos da literatura universal. O projeto nasceu em 18 de abril de 2010 de um grupo de estudantes de Jornalismo da Universidad de Valladolid, na Espanha. 

A página também conta com resenhas de prosa, poesia, quadrinhos, ensaios e debates, e é bem eclética. 

Se você aprecia a boa literatura, siga a página web www.lamilanabonita.com

Não deixem de prestigiar, vale muito a pena!

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Tradução e tipologia textual


Você traduziria da mesma forma uma bula de remédios e um romance?

Certamente não. Em nosso dia a dia recebemos pedidos de tradução dos mais diversos:  manuais técnicos, artigos acadêmicos, resenhas turísticas, cardápios, contratos, legendas, aplicativos, literatura, etc.

Cada texto tem suas características, linguagem e estilo próprios, público-alvo, terminologia. Então é razoável que apliquemos estratégias e abordagens diferentes conforme a tipologia textual.

Vejamos algumas questões que devemos levar em conta:

Textos técnicos

Funções predominantes: referencial, pelo seu caráter informativo, denotativo e explicativo.

Linguagem: caracteriza-se pelo conhecimento especializado, uso de jargões e estrangeirismos, é objetiva, descritiva, impessoal e instrucional.

Exemplos de texto técnico: manuais de usuário, de instalação e operação, descritivos técnicos, relatórios, laudos, patentes, etc.

Competências tradutórias: raciocínio lógico, processamento e síntese da informação, espírito investigativo, objetividade, precisão, clareza, uniformidade e consistência. Também é preciso que o tradutor conheça suas limitações e saiba recusar um trabalho quando não se sente apto.

Imagine um profissional que precisa operar um equipamento complexo, como um respirador. É crucial que as instruções sejam o mais claras e simples possível, de forma a eliminar o risco de uma má interpretação que possa colocar em risco a vida do paciente.

Tradução: literal na maioria dos casos, mas dinâmica em alguns momentos para tornar o texto mais claro, por exemplo em instruções; é funcional e utilitária pois têm em vista o usuário e pretende ajudá-lo a usar alguma coisa da melhor forma.

Textos científicos

Funções predominantes: informativa, referencial.

Linguagem: formato mais rígido: o rigor, a precisão e a coerência devem contribuir para alcançar um resultado elegante.

Exemplos de texto científico: trabalho acadêmico (teses, monografias, artigos, etc.).

Competências tradutórias: conhecer a redação acadêmica, saber como proceder na tradução de citações e referências bibliográficas, quais elementos devem ou não ser traduzidos; espírito investigativo, coerência, precisão e clareza. Quando se traduz diretamente para o autor, requer capacidade de reorganizar e sintetizar as ideias, capacidade de negociação e tato para convencer o autor a fazer as modificações necessárias.

Tradução: literal, também é funcional pois tem em vista divulgar conhecimento, estudos para a comunidade acadêmica e científica.

Textos turísticos

Funções predominantes: além da função referencial, prevalecem as funções conotativa e emotiva, pois o objetivo é convencer o leitor a fazer uma viagem ou passeio, viver uma experiência.

Linguagem: persuasiva, descontraída, informal. Geralmente usa verbos no imperativo (conheça, visite, experimente, contrate, etc.), predomina o texto descritivo, rico em adjetivos convidativos (paisagem cinematográfica, água cristalina, natureza exuberante, ambiente acolhedor, etc.). Apresenta termos intraduzíveis, regionalismos. Descreve percepções sensoriais: sabores, cheiros, cores e texturas.

Exemplos de textos turísticos: guias, resenhas, sites, revistas especializadas, etc.

Competências tradutórias: boa bagagem cultural, desejável conhecimentos de geografia e história, capacidade de explicar brevemente termos intraduzíveis, regionalismos. Saber o que se deve ou não traduzir nesse tipo de textos, como lidar com topônimos e localismos, por exemplo, sem descaracterizá-los.

Tradução: mais livre e criativa, funcional, pois pretende convencer o leitor a viver uma experiência.

Textos institucionais

Funções predominantes: referencial, emotiva e apelativa (quando pretende engajar o funcionário).

Linguagem: faz parte da identidade e reputação da instituição, esse tipo de texto requer uniformidade de estilo e consistência terminológica. A comunicação interna geralmente é mais informal, pois o objetivo e engajar os funcionários. Já a comunicação externa é mais formal, pois pretende estabelecer a reputação da empresa, ganhar a confiança do cliente e estabelecer um vínculo.

Exemplos de textos institucionais: comunicados, atas, políticas organizacionais (anticorrupção, de gestão de riscos, de segurança da informação, etc.).

Competências tradutórias: visão sistêmica da instituição, desejável ter noções de comunicação organizacional pública e privada. Ter sempre em mente o público-alvo.

Tradução: tradução literal no caso de normas, políticas e diretrizes e livre ou criativa em casos específicos. O ideal é que cada instituição/empresa conte com um guia de estilo para o tradutor, que estabeleça diretrizes e preferências. O tradutor pode dar sugestões, desde que bem justificadas, mas, em regra, prevalece a preferência do cliente.

Textos literários

Funções predominantes: poética ou estética, ou seja, a ênfase recai no próprio texto.

Linguagem: subjetiva, conotativa, caracteriza-se pela presença de metáforas, recursos de estilo, diálogos. Em poesia, há rima, cadência, estrofes, versos, etc.

Exemplos de texto literário: livros de ficção, contos, romances, crônicas, poesia, etc.

Competências tradutórias: por ser um objeto estético, o tradutor deve ser capaz de reproduzir, na medida do possível, os efeitos do original e fazer que os diálogos soem naturais, verossímeis. É muito desejável uma boa bagagem de leitura e de conhecimentos gerais para que ele seja capaz de identificar as referências literárias e culturais presentes na obra. Requer extrema fidelidade e respeito ao original, já que o livro é a voz do autor, suas impressões, reflexões e emoções. O tradutor não deve perder de vista o caráter servil do seu trabalho, seu papel é produzir um texto o mais próximo possível do original, de maneira que o leitor possa dizer que leu tal autor sem faltar à verdade.

Tradução: tão fiel quanto possível. Criativa em ocasiões muito específicas para resolver problemas tradutórios, não para introduzir modificações aleatórias.

Textos publicitários

Funções predominantes: conotativa, emotiva e semiótica, pois elabora representações, envolve signos e símbolos.

Linguagem: persuasiva, apelativa, informal, lúdica, criativa, envolve elementos visuais, sonoros.

Exemplos de texto publicitário: campanhas publicitárias, slogans, lançamentos, etc.

Competências tradutórias: criatividade, imaginação, noções de marketing, semiótica, localização (adequação ao mercado de destino), boa bagagem cultural. O tradutor deve ter em mente o público-alvo, bem como questões éticas que possam colocar em risco a reputação da empresa ou produto. Deve tomar cuidado para não usar termos politicamente incorretos e estar atento a aspectos culturais, pois alguns termos ou expressões podem resultar ofensivos em outras culturas.

Tradução: altamente criativa e funcional, pois o objetivo é vender uma imagem, produto ou serviço.

Textos jurídicos

Funções predominantes: assim como no técnico, predominam as funções referencial e informativa.

Linguagem: formal, técnica, rígida. O texto jurídico tem valor legal, público, no sentido de estabelecer normas, condições, obrigações. Apresenta muitos jargões e vocabulário especializado.

Exemplos de texto jurídico: contratos, certidões, leis, sentenças, editais, etc.

Competências tradutórias: redação técnica, conhecimento técnico de aspectos e conceitos legais, do sistema jurídico, além de exigir familiaridade com o "juridiquês", isto é, aqueles jargões e expressões específicas, muitas vezes arcaicos e excêntricos que dificultam consideravelmente a trabalho do tradutor.

Tradução: literal na maioria das vezes, criativa quando é necessário adaptar conceitos legais. Também é funcional porque deve ser eficaz e cumprir seu objetivo.

Limitei-me a abordar os tipos de texto que traduzo com mais frequência, mas há muitos outros mais (legendas, localização, jogos, notícias, etc.). Cada um com suas particularidades.

Textos relacionados:

Como validar terminologia especializada

Tradução literária

Tradução de textos turísticos

sábado, 17 de outubro de 2020

O que se considera um erro de tradução?


Todo tradutor profissional deve prezar pela qualidade do seu trabalho, mas, quando ainda se está no início de carreira, é comum sentir insegurança e duvidar da própria capacidade. Afinal, há muita ansiedade por conseguir a primeira oportunidade, mas, ao mesmo tempo, há o medo de ser reprovado no teste e ver a grande chance ir embora.

Há muitos textos que falam sobre as qualidades de uma boa tradução, eu mesma já publiquei  vários aqui no blog.

Basicamente, estas são as qualidades que uma boa tradução deve ter:

  1. fidelidade, fluência e naturalidade;
  2. precisão, coerência e correção gramatical;
  3. uniformidade e consistência terminológica;
  4. padronização de estilo.

Muito bem, conhecemos a nossa meta, mas, como chegar lá? O que se considera um erro de tradução?

Sabemos aonde queremos chegar, mas precisamos de parâmetros que possamos aplicar na prática para produzir um trabalho de qualidade.

Você já deve ter ouvido por aí que não existe uma tradução única, perfeita, que a tradução é uma atividade subjetiva e que, por isso, é impossível avaliá-la de forma objetiva. Assim, nenhuma tradução poderia considerar-se errada. Diga isso para o revisor que rejeitou seu teste...

Obviamente isso não é verdade. Parafraseando o mestre Paulo Henriques Britto, o fato de não termos certeza absoluta sobre alguma coisa não significa que tenhamos incerteza absoluta. O fato de a tradução ser uma atividade subjetiva não implica que ela não possa ser avaliada com certo grau de objetividade. Isso não só é possível como é fundamental, do contrário não teríamos como garantir um mínimo de fiabilidade.

Acreditar que não é possível avaliar a qualidade de uma tradução é autossabotar-se, é impedir a si mesmo de avançar na carreira, é cair no relativismo de que toda tradução é genuína e aceitável. A qualidade agrega valor, enobrece.

Agora vamos tratar daquele intruso folgado que corrompe o nosso texto: o erro.

Para isso contaremos com critérios objetivos, propostos pela tradutóloga espanhola Amparo Hurtado Albir, que criou uma tabela de correção de traduções. Eis uma versão levemente adaptada por duas professoras-tradutoras que realizaram um estudo citado ao final deste texto:


INADEQUAÇÕES QUE AFETAM A COMPREENSÃO DO TEXTO ORIGINAL

CONTRASENSO (CS): Erro de tradução que consiste em atribuir um SENTIDO CONTRÁRIO ao do texto original.

FALSO SENTIDO (FS): Consiste em atribuir um SENTIDO DIFERENTE ao do texto original. Não diz a mesma coisa que o original por desconhecimento linguístico e/ou extralinguístico.

SEM-SENTIDO (SS): Consiste em usar una FORMULAÇÃO DESPROVISTA DE SENTIDO. Incompreensível, falta de clareza, compreensão deficiente.

NÃO MESMO SENTIDO (NMS): Consiste em APRECIAR INADEQUADAMENTE UM MATIZ DO ORIGINAL (reduzir ou exagerar sua significação, introduzir ambiguidade, erro dentro do mesmo campo semântico, etc.).

ADIÇÃO (AD): Consiste em INTRODUZIR ELEMENTOS de informação desnecessários ou ausentes no original.

SUPRESSÃO (SUP): Consiste em NÃO TRADUZIR ELEMENTOS de informação do texto original.

REFERÊNCIA CULTURAL MAL RESOLVIDA (CULT) INADEQUAÇÃO DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA (VL): Consiste em NÃO REPRODUZIR (OU REPRODUZIR INADEQUADAMENTE) ELEMENTOS relativos à variação linguística, isto é, diferenças de uso e usuário: tom (T), estilo (EST), dialeto (D), idioleto (ID).


2. INADEQUAÇÕES QUE AFETAM A EXPRESSÃO NA LÍNGUA DE CHEGADA

ORTOGRAFIA E PONTUAÇÃO (ORT) GRAMÁTICA (GR) LÉXICO (LEX): Barbarismos, empréstimos, usos inadequados.

TEXTUAL (TEXT): Incoerência, falta de lógica, mau encadeamento discursivo, uso indevido de conectores, etc.

REDAÇÃO (RED): Formulação defeituosa ou pouco clara, falta de riqueza expressiva, pleonasmos, etc.


3. INADEQUAÇÕES PRAGMÁTICAS (PR)

Incoerentes com a finalidade da tradução (em relação ao tipo de solicitação, ao destinatário a quem se dirige), o método escolhido, o gênero textual e suas convenções, etc.

 

Fontes:

FÉRRIZ MARTÍNEZ, Carmen; SANS CLIMENT, Carles. Una propuesta de intervención didáctica en la enseñanza de la traducción del portugués al español: análisis de errores de traducción. MarcoELE: Revista de Didáctica, n. 11, p. 37-63, 2010. Disponível em: <http://marcoele.com/descargas/11/03.ferriz_sans.pdf>.

BRITTO, Paulo Henriques. A Tradução Literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

Outros textos sobre qualidade aqui no blog:

Controle de qualidade de textos traduzidos ou vertidos

O que é material de referência e qual a sua importância?

Quanto vale o seu trabalho? 

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Tradução do conto "El misterio inicial de mi vida", de Miguel de Unamuno


O mistério inicial de minha vida

Miguel de Unamuno

Tradução de Diana Margarita Sorgato

Nunca conseguirei esquecer, nem se o quisesse, o que eu poderia chamar com toda propriedade de horizonte terrestre de minha história íntima, da biografia de minha alma. Tudo isso para esta lembrança, tudo aquilo além dele, é para mim como um remoto velame que além desse horizonte forma o fundo insondável, infinito, de minha vida passada. Dessa lembrança surge minha consciência e até me atrevo a dizer que toda a vida do meu espírito não foi mais do que um desenvolvimento dele. Do meu pai não me lembro senão em relação a esse acontecimento inicial de minhas confissões; meu pai não é para mim mais que o ator desse acontecimento. Que foi, sem dúvida, o desfecho, o fim de uma tragédia, mas que para mim nada mais é que o surgimento de outra. Nem posteriormente me atrevi nunca, pelo que direi, a inquirir de minha mãe o sentido daquela terrível cena. Era o cair da tarde, lembro-me como se fosse hoje, e eu estava com minha mãe, na sala de jantar, ela contemplando o pôr do sol, e eu rabiscando um quadro-negro. Meu pai fechado em seu escritório trabalhava como de costume. E seu trabalho era escrever, nunca pude saber o quê nem para quê. Parece-me lembrar que, ao erguer os olhos de meus desenhos, vi como duas pérolas vermelhas nos olhos de minha mãe, que eram os arrebóis crepusculares; o sol se deitava dessangrando-se como em uma mortalha nas nuvens que cingiam a serra distante refletidos nas respectivas lágrimas vergonhosas e furtivas. De repente, minha mãe balançou a cabeça — ainda me parece ver a agitação de sua cabeleira loira sobre a celagem do ocaso — e exclamou com voz como de agonizante: “O quê? O que foi?” Um tiro ressoara no escritório. Minha mãe se levantou, foi até a porta do escritório e a encontrou trancada por dentro. Então começou a empurrá-la e a bater nela chamando com uma voz repleta de angústia: “Pedro! Pedro! Pedro!” A suas vozes atendeu o velho criado e, embora aterrados, com suas vozes romperam o silêncio que nos chegava do escritório, minha mãe e ele começaram a empurrar a porta até que esta cedeu. Lançaram-se ao interior, e eu, atrás deles. Meu pai jazia em sua poltrona, branco e vermelho, branco de cera o rosto y avermelhado por um fio de sangue que escorria de sua têmpora. No chão, um revólver. Sobre a mesa de trabalho, a escrivaninha, um papel dobrado que minha mãe se apressou em apanhar e guardar. A qual ao ver aquilo depois de murmurar para si: “Era de se temer!”, emboçou-se num terrível silêncio. A primeira coisa que fez foi procurar-me com os olhos, não já somente enxutos de lágrimas, mas secos e opacos, e tão logo me viu, segurou minha mão, levou-me até o que tinha sido meu pai e me disse: “Beije-o pela última vez” e me afastou do escritório. E lembro-me de que, ao beijá-lo, meu maior cuidado foi não sujar-me com aquele fio de sangue e que senti nos lábios uma frieza que nunca os deixou completamente. Não vi minha mãe durante todo o dia seguinte, pois me deixaram com as criadas. Mas no outro, mal levantei da cama, ela me segurou, abraçou-me, apertou-me tanto que quase me deixou sem fôlego, aproximou sua boca seca à minha testa, depois aos meus olhos, e assim me teve, não sei por quanto tempo —pareceu-me muito, tanto como toda minha vida até então —, sem fazer o menor barulho. Pois não somente não falava nem soluçava, senão que nem a ouvia respirar. Dir-se-ia que estava tão morta quanto meu pai. E não ousei perguntar-lhe nada. Aquela imorte estava, e continua estando desde então, entre minha mãe e eu como um segredo sagrado. Aquela morte voluntária, e principalmente a razão dela, por que se matou?, começou a ser, sem que a princípio eu o percebesse, o mistério inicial de minha vida. Em torno daquela visão se foram organizando todas as subsequentes visões de minha experiência. Nem minha mãe tinha para mim sentido íntimo senão ligada àquele sucesso, àquele tiro que rompe um silêncio de ocaso e àquele fio de sangue sobre um rosto marmóreo.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Resenha do livro A rebelião das massas, de Ortega y Gasset


Há poucos dias terminei de ler La rebelión de las masas (A rebelião das massas), do filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955). Mesmo tendo sido escrita por volta de 1930, é uma obra muito atual, que descreve um fenômeno visível e predominante nos dias atuais: o homem-massa. Aproveito enquanto as impressões ainda estão frescas em minha mente para escrever esta resenha.

Primeiramente, o autor deixa bem claro que essa definição não se refere a uma camada social, não se trata de uma classe específica, mas sim de uma forma de ser, de agir, de encarar a vida. Uma postura diante da realidade.

Para o autor, o homem-massa é resultado da combinação de vários fatores: o salto populacional na Europa, que em doze séculos (do século VI ao ano 1800) não conseguia superar os 180 milhões e que, em menos de um século, de 1800 a 1914, pula de 180 milhões a 460 milhões, isto é, mais do que duplica. Esse extraordinário crescimento populacional dá lugar às aglomerações, as cidades se enchem de pessoas. O que, aliado à democracia liberal, à industrialização e à ciência resulta no surgimento do homem-massa.

Mas o que seria esse homem-massa? Como dissemos anteriormente, não se trata de uma categoria social, mas sim de um modo de ser. O homem-massa corresponde ao homem médio, que se contenta em seguir a corrente, que despreza a tradição, não tem senso histórico, não tem grandes aspirações além de ser como os outros. Comporta-se como uma criança mimada e ingrata que só sabe exigir e choramingar, e que espera que o Estado resolva todos seu problemas. Está sempre esperneando, berrando por direitos, mas não tem senso de dever, de responsabilidade. Tende à violência, acredita que o progresso atual caiu do céu, não o reconhece como fruto do sacrifício e trabalho das gerações anteriores.

Sua responsabilidade se limita a exigir, preocupa-se em resolver os problemas estruturais da sociedade, em perseguir utopias em lugar de concentrar-se em resolver problemas pontuais. Age de forma superficial e preguiçosa, não busca um conhecimento profundo de causas e consequências, contenta-se com um conhecimento parcial e superficial daquilo que possa usar a seu favor, ainda que de forma distorcida, o que deriva na desonestidade intelectual, no relativismo moral e ético, em que o julgamento moral varia conforme seus interesses. Age como um bárbaro porque recusa normas, hábitos e a razão.

Como oposto ao homem-massa, o autor menciona o homem nobre. Novamente não no sentido de classe social, de posses ou títulos, mas sim de postura, de forma de ser. O homem nobre é o oposto do homem-massa porque ele tem senso histórico, respeita a tradição, as conquistas de seus antepassados. Ele tem senso de dever, de responsabilidade. Não espera que o Estado resolva seus problemas, não entrega seu destino nas mãos do Estado. Ele é dono do seu destino e busca o aperfeiçoamento mediante o esforço e o compromisso. Não pretende resolver os problemas estruturais, mas sim os pontuais, não quer mudar o mundo, mas melhorá-lo. Valorizam os valores e a moral civilizatórios, a disciplina, a ordem e a lei.

Partindo dessa comparação entre homem-massa e homem nobre, o autor analisa outras questões mais profundas, como o declínio da Europa. Por declínio, se refere ao fato de a Europa ter perdido seu poder de mando. O autor enfatiza que toda sociedade é hierárquica, há sempre uma minoria dominante e uma massa média e, se assim não for, não há organização, não há sociedade. Esclareça-se que essa minoria não é dominante ao acaso, mas sim devido a sua excelência e autenticidade, ao seu senso de dever para com os outros. A sociedade sem mando é como uma turma de alunos que, quando se fica sem professor, fica sem rumo e se entrega à confusão e à balbúrdia. Voltando à Europa, Ortega y Gasset defende sua união e sua diversidade, mas reconhece a falta de uma estrutura estatal comum para isso. A falta de mando resulta no enfraquecimento da Europa, o que dá lugar a nacionalismos e governos totalitários como o fascismo e o comunismo, que repetem os erros do passado.

O homem-massa carece de projetos, aspirações, premissas, não reconhece a autoridade da minoria dominante, pelo contrário, deseja mandar e tomar-lhe o lugar em benefício próprio. Enquanto o homem humilde reconhece suas limitações, mas aspira ao aperfeiçoamento, o homem-massa exalta sua vulgaridade, seu direito a ignorar, vangloria-se de ser como todos, não cumpre sua vocação, não é autêntico, o que supõe uma desmoralização.  

Certamente deixei escapar muitos aspectos importantes da obra, mas o que mais me marcou foi seu caráter atual, como o homem-massa continua predominando em nossa sociedade, mesmo tendo passado quase um século da publicação desta obra. Acredito que este fenômeno é perceptível em todos os campos de conhecimento. Na língua, por exemplo, observamos a desvalorização da norma, a ojeriza ao estudo formal, ao mesmo tempo que se exalta a vulgaridade, quando pululam nas vitrines das livrarias os livros de autoajuda com palavrões no título: é 'F*da' para todo lado.

O empobrecimento do vocabulário, a desvalorização da leitura, a tentativa de taxar a gramática, a norma-padrão e a língua culta como instrumentos de opressão. A busca pelo conhecimento fácil e supérfluo, através de macetes. O desdém pelos clássicos da literatura nacional e universal, a degradação da hierarquia na relação professor-aluno e o reflexo das reivindicações políticas na língua com a imposição da linguagem não sexista, e o discurso do politicamente correto. Atualmente, são esses, em minha opinião, alguns sinais da massificação e a manipulação da linguagem e do pensamento.

Para quem tiver interesse em saber mais sobre este livro, indico dois excelentes vídeos no YouTube:

Este é em espanhol, do canal POLIZONYNAUFRAGO


E este outro é em português, do canal Socran:


sexta-feira, 3 de julho de 2020

Entrevista a Márcia Ribas, tradutora de A Sombra do Vento




Márcia Cavalcanti Ribas Vieira é graduada em Ciências Sociais, com mestrado em Letras pela PUC-RJ, com uma tese sobre o livro Lavoura Arcaica de Raduan Nassar. Morou durante algum tempo na Argentina e no Chile e traduziu cerca de 20 livros entre 1983 e 2008, entre os quais o fenômeno de vendas A Sombra do Vento — do escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón, que conquistou fama internacional com esse livro — pela Editora  Objetiva em 2004. Além disso, Márcia traduziu e fez versões de alguns filmes para a TV e publicou o livro de poesias Anos 70, pela Editora 7 Letras em 2002. Afastou-se da área de tradução em 2008.

Olá, Márcia, seja muito bem-vinda! Em primeiro lugar gostaria de agradecer sua disposição em participar desta entrevista e dizer que admiro muito seu trabalho. Como fã de A Sombra do Vento (livro que já li três vezes), gostaria muito de saber mais sobre sua experiência como tradutora dessa obra do espanhol europeu para o português do Brasil.

A tradução literária é por si mesma uma tarefa muito instigadora, mas cada livro é um desafio à parte. Quais foram as principais dificuldades que você encarou quando traduziu A Sombra do Vento?

As maiores dificuldades foram, sem dúvida, as expressões idiomáticas, as expressões de um modo geral. Orientada pelo espanhol “argentino”, algumas expressões eram totalmente desconhecidas para mim, oriundas de épocas e locais precisos, em Espanha, na Barcelona, naquela época. Outras, conhecidas, sim,  no espanhol  “argentino” mas não por mim.

Cada autor tem um estilo próprio que precisa ser respeitado para que o leitor tenha a experiência mais próxima daquela que teria se pudesse ler o original. No que diz respeito a Carlos Ruiz Zafón, que dificuldades impõe seu estilo?

São as expressões, basicamente. O texto de um modo geral e muito poético, muito sentimental, com muitas descrições que relatam sonhos e impressões. É preciso seguir o que o autor quer dizer. E básico entender que o texto é poético. No entanto, nos diálogos, quando há expressões que não conhecemos, estas se tornam a maior dificuldade. Podemos trocar as palavras, mas é essencial passar o que o autor quis dizer, o sentido daquilo que está dizendo.

E a tradução dos diálogos? Quais foram suas diretrizes para conseguir um bom resultado?

Ser o mais fiel possível ao que os personagens querem dizer.

A obra em questão está impregnada de marcas culturais, referências a Barcelona, a pratos típicos, a personagens históricos, à Guerra Civil espanhola. Como lidar com toda essa informação?

É indispensável fazer uma pesquisa inicial, buscar dicionários especializados, dicionários de espanhol, outro de espanhol/português, outro português/português, dicionários que explicam, outro que dão sinônimos, antônimos, dicionários de gírias e  expressões espanhol/espanhol, dicionário espanhol/francês , de gírias em francês, e assim por diante. Quanto à época histórica, não vi tanta necessidade de ir muito além do que estava no texto, e um pouco já conhecia; a culinária, foi preciso pesquisar, e até passei lista de palavras a uma pessoa conhecida. E preciso “desvendar” o livro, esclarecer o máximo possível tudo, para depois começar a transportá-lo ao seu idioma. E bom esclarecer que falo espanhol desde muito pequena, por questões familiares. E português, fui leitora assídua da literatura nacional e estrangeira.

Nem sempre podemos nos servir das mesmas palavras que o autor usa no outro  idioma. Para isso, a leitura de um modo geral é importantíssima, ler os grandes autores, como se servem da linguagem. E ainda temos a questão da sintaxe, da gramática em português, que, se bem que o revisor vai ajudar, é uma área em que, quanto mais domínio tivermos, mais fácil será a tradução.

A intraduzibilidade é uma pedra no sapato do tradutor, no entanto não temos como fugir dela. Qual é a sua atitude diante de um termo ou expressão intraduzível?

Colocando nota de rodapé, explicando ao máximo.

Para terminar, uma curiosidade: Qual é o seu personagem favorito de A Sombra do Vento e por quê?

Acho que é o Fermín Romero de Torres, mas todos são interessantíssimos!

Agora sim, a "saideira": O que representa A Sombra do Vento em sua vida?

Bem, um trabalho que levei a cabo com muita satisfação. O livro é uma obra muito bem realizada.