segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Resenha da obra "Los pasos perdidos", de Alejo Carpentier

Acabei de ler o romance Los pasos perdidos do escritor cubano Alejo Carpentier, pois me propus a conhecer melhor os clássicos da literatura hispano-americana, antes de conhecer a produção contemporânea.  O fato de minha mãe ter nascido e vivido parte da infância em Cuba, também contribui para que eu me interessasse por este autor.

Carpentier escreveu esta obra, a partir de sua experiência de vida em Venezuela de 1945 a 1959, e a publicação se deu em 1953. A história é narrada em primeira pessoa por um músico de origem hispano-americana que vive em Nova York e que atravessa uma crise existencial: insatisfeito com o casamento com uma atriz de teatro que está sempre em turnê e frustrado com o trabalho como produtor musical de uma empresa publicitária.

Había grandes lagunas de semanas y semanas en la crónica de mi propio existir; temporadas que no me dejaban un recuerdo válido, la huella de una sensación excepcional, una emoción duradera; días en que todo gesto me producía la obsesionante impresión de haberlo hecho antes en circunstancias idénticas —de haberme sentado en el mismo rincón, de haber contado la misma historia, mirando al velero preso en el cristal de un pisapapel. Cuando se festejaba mi cumpleaños en medio de las mismas caras, en los mismos lugares, con la misma canción repetida en coro, me asaltaba invariablemente la idea de que esto sólo difería del cumpleaños anterior en la aparición de una vela más sobre un pastel cuyo sabor era idéntico al de la vez pasada."

Quando ele entra de férias, entediado e deprimido, surge uma oportunidade de dar uma reviravolta em sua vida. Um ex-professor, curador de um museu, propõe-lhe uma viagem à América Latina em busca de instrumentos musicais primitivos. No início, o músico rejeita a ideia, mas acaba sendo convencido por sua “amiga”, uma jovem superficial e aspirante a intelectual, com quem tem uma estranha relação amorosa.  

Confesso que no início custei a me envolver com a história, porque achei as descrições, em especial as de lugares, fauna, flora, excessivamente minuciosas e entediantes. A citação de nomes de espécies lembra um pouco Macunaíma, dá uma impressão de artificialidade, parece que o autor abriu um livro de botânica ou de zoologia e extraiu uma coleção de nomes que pouco acrescentam à narrativa. A citação gratuita de espécies é chata, mas quando o autor acrescenta uma curiosidade, uma lenda, uma história mítica, aí sim, torna-se interessante para o leitor. A linguagem especializada e a descrição pormenorizada de instrumentos musicais e processos de criação e composição musical, tudo isso é muito maçante para quem desconhece o universo e a teoria musicais.

Esse excesso de descrições me aborreceu a tal ponto de eu quase abandonar a obra. O que me impediu de fazê-lo e o que me fez persistir foi a qualidade da narrativa, a escrita primorosa, o domínio da língua, da metáfora, das associações, o fluxo vigoroso e a beleza da prosa poética.

Los pasos perdidos é uma obra que pertence ao estilo real maravilhoso, inaugurado por Carpentier. Esse estilo exalta pessoas, paisagens, fauna e flora, histórias maravilhosas, mas sempre sujeitas às leis da física, diferentemente do realismo mágico, que transgride todas as leis a que está sujeita a realidade. Carpentier considera o maravilhoso dos surrealistas como algo falso, obtido através de artimanhas, da deformação da realidade; para ele, o maravilhoso se encontra na realidade do continente latino-americano, em sua natureza primitiva, num estado puro, livre de truques.  

A definição do maravilhoso segundo o próprio autor: “Lo extraordinario no es bello ni hermoso por fuerza. Ni es bello ni feo; es más que nada asombroso por lo insólito. Todo lo insólito, todo lo asombroso que sale de las normas establecidas es maravilloso” (CARPENTIER, 2007, p. 143).

Sobre a sensação de cansaço que o excesso de minúcias me causou, encontrei um ensaio de Vargas Llosa, ¿Lo real maravilloso o artimañas literárias?, que explica que a linguagem ornamentada e o artifício literário de Alejo Carpentier tornam o texto mais complexo e exigem do leitor uma atenção especial.

El discurso del narrador, de palabras rebuscadas —muchas de ellas extraídas de diccionarios y vocabularios especializados— se halla en las antípodas del que finge lo espontáneo, la oralidad. Este estilo representa, más bien, la voz engolada del discurso escrito, de lo leído y premeditado, de lo corregido y repensado, de lo artificial. Pero, pese a su semblante fabricado, es de una gran precisión a la hora de designar el objeto y describirlo, y de un extraordinario poder de síntesis: describe a pinceladas rápidas, sin insistir ni repetir. Su característica mayor, además de la exactitud —nunca vacila ni yerra a la hora de adjetivar— es la sensorialidad lujosa, la manera como se las arregla para que la historia parezca entrarle al lector por todos los sentidos: la vista, el oído, el olfato, el sabor, el tacto. Un estilo en el que, curiosamente, lo amanerado no está reñido con la vida del cuerpo, donde el adorno realza lo vital”.

O próprio Carpentier costumava afirmar que sua falta de imaginação o levou a construir seus romances sobre bases históricas, com a surpresa de que a realidade americana era em si mesma mágica. Ou seja, o enredo aqui serve de pano de fundo para expor um panorama sociocultural do continente latino-americano e cotejá-lo com o europeu. O jovem músico entra em crise existencial quando percebe que sua vida é uma farsa, uma representação sem sentido. Ao iniciar a viagem através do rio Orinoco, ele começa a resgatar sua essência, as lembranças da infância, a língua materna, a simplicidade. Começa a tomar forma uma luta interior entre os valores urbanos e rurais, a civilização e a selva primitiva, a racionalidade e a emoção

Ainda não li Em busca do tempo perdido, de Proust, mas pelos comentários que ouvi sobre essa obra, acho que ambas tem alguns pontos em comum: o despertar da memória por meio de sons, cheiros, sabores e texturas, ou seja, por meio dos sentidos, bem como a extensa abordagem da música. Se, por um lado, Proust procura o tempo perdido; por outro, Carpentier procura o paraíso perdido na América primitiva.

Essa viagem labiríntica e anacrônica revela um universo mítico, primitivo, maravilhoso, que leva o músico a questionar os valores da sociedade moderna. O objetivo inicial da viagem — a busca de instrumentos primitivos — transforma-se na busca de um sentido para a vida.

A beleza poética é, sem dúvida, o ponto alto desta obra.

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